por Júlio César Pereira Queiroz
Não há como conceituar e definir o crime organizado sem analisarmos na história recente sua forma de desenvolvimento e como suas raízes espalhou-se como forma de tentáculos para atingir as principais instituições do país, numa verdadeira ameaça ao Estado de Direito, recrutando seus agentes públicos que deveriam preveni-lo e combatê-lo desde sua origem até suas ramificações. Mas, poderíamos afirmar que o crime organizado, em nível nacional, teve seu desenvolvimento apenas na história recente do país?
O legislador, ao definir o tipo penal de quadrilha ou bando, artigo 288 do Código Penal Brasileiro de 1941, apresentou um claro objetivo de punir a reunião de um número mínimo de pessoas voltadas a cometer quaisquer tipos de crimes. É notório que, àquela época, já existiam notícias de crimes cometidos por grupos que se reuniam com um mínimo de organização para cometê-los.
Não há de se olvidar que os fatos de tal natureza aconteciam de forma velada e nunca se detectava essa modalidade dentro do perímetro institucional, pois o Estado combatia seus inimigos como um paladino da justiça e imputava os castigos devidos aos “marginais do crime”, cujo modus operandi estava longe de afetar a nervura das instituições estatais.
O que estamos vendo hoje em dia é, simplesmente, a conseqüência de anos de cegueira e hipocrisia de governos que passaram pelo comando da nação e à frente das decisões do Estado de Direito. Observamos que as mudanças acompanharam a necessidade de uma maior organização por parte dos criminosos. Porém, fomentada pela inércia do Estado em combater tal modalidade criminis sem fazer o verdadeiro trabalho de consciência e repressão nos próprios quadros de suas instituições, cuja inexistência de autocrítica em anos de rápida evolução, nos mostra as conseqüências de um paradoxo que em relação a tal organização inimiga o Estado brasileiro não se organizou.
O combate hoje realizado pela Polícia Federal contra o crime organizado denota uma idéia de que o crime evoluiu, alcançando proporções gigantescas, a ponto de seus tentáculos atingirem não só os órgãos de segundo e terceiro escalões dos Poderes, mas as próprias cúpulas destes. Hoje, ao vermos as ações dos famosos grupos criminosos que estão instalados no Rio de Janeiro e em São Paulo, os chamados Comando Vermelho e PCC, nos perguntamos se, ao final das contas, há uma diferença entre os bandidos dos morros e presídios paulistas e aqueles que estão envolvidos em escândalos intermináveis e que ficam à frente das principais decisões que conduzem o destino da nação. Quais as características do crime organizado? A que ponto ele é uma ameaça ao Estado? Isso foi formado recentemente?
O crime organizado, na visão do Federal Bureau of Investigations (FBI), é qualquer grupo que tenha uma estrutura formalizada cujo objetivo seja a busca de lucros por meio de atividades ilegais. Esses grupos usam da violência e da corrupção de agentes públicos. Para a Pennsylvania Crime Commision, as principais características das organizações criminosas são as influências nas instituições do Estado, altos ganhos econômicos, práticas fraudulentas e coercitivas.
Ora, se falarmos de estrutura, busca de lucros, atividades ilegais, influência nas instituições do Estado, corrupção, etc., não podemos afirmar que todas essas características nasceram nos últimos anos. Na verdade, in integrum, o crime organizado nasceu concomitante ao nascituro do país, com a história definindo claramente sua existência nos anais de suas épocas: os famosos escândalos da corte portuguesa, os saques das riquezas naturais e do tesouro nacional, a formação da república e sua evolução e, mais recente, os escândalos que vieram à tona dentro do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto.
Tudo isso fomenta o crime organizado. O tráfico de drogas, o contrabando, a violência urbana e rural, os seqüestros, os assaltos são formados a partir de um crime de essência subjetiva, mas com consciência e resultados fáticos: a corrupção. E isso sempre existiu, sempre aconteceu. A evolução do crime organizado, bem como a evolução do combate a essa modalidade, apenas foi construída a partir do momento em que olhamos para o próprio umbigo e vimos que a vergonhosa nudez estava não só nas esferas externas de nossa formação estatal, mas na própria estrutura que forma os poderes constituídos.
Estas poucas linhas devem ser encaradas como uma humilde contribuição teórica para a definição do que seja crime organizado e de uma reflexão em torno das suas ações. Além disso, não podemos demonstrar que não conseguimos enxergar as dimensões das organizações criminosas e nem seus sustentáculos, sob pena de deixarmos aos nossos filhos o triste legado de sofrer as conseqüências de suas ações e continuar acompanhando a evolução do crime organizado e sua milenar existência.
Revista Consultor Jurídico, 21 de novembro de 2006
Júlio César Pereira Queiroz: é policial federal e presidente da Associação dos Policiais Federais do Amazonas.
terça-feira, novembro 21, 2006
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