terça-feira, novembro 21, 2006

As vitórias de Lula

por Guilherme Scalzilli

Enquanto prevalecia alguma certeza de que Lula seria reeleito já no primeiro turno, a oposição tentou garantir o enfraquecimento político da nova gestão. Esperava-se (e era desejo confesso de inúmeros analistas) que o PT obtivesse uma votação decepcionante em todas as instâncias. Governabilidade à parte, a derrocada petista representaria a desmoralização do presidente, cujo sucesso passou a ser ostensivamente condicionado pelo desempenho do partido. Entretanto, apesar de ter perdido cerca de 2 milhões de votos em relação a 2002, o PT foi novamente o partido mais votado para deputado federal, manteve sua bancada na Câmara e elegeu cinco governadores. A coligação governista está próxima da maioria absoluta na Casa e conquistou dezesseis Estados, inclusive o Ceará de Tasso Jereissati e a Bahia de ACM. A própria insistência em disseminar expectativas apressadas conferiu aos resultados a importância de uma vitória nacional.

Cristovam Buarque e Heloísa Helena basearam-se na condição de dissidentes da administração federal para aglutinar o eleitorado descontente. Mas o discurso monotemático do ex-ministro e a ferocidade moralista da senadora tiveram resultados ínfimos (frustrantes apenas para os ingênuos), revelando que uma alternativa progressista viável ainda está longe de se estabelecer. A ênfase em equacionar a rejeição ao governo Lula pela performance dos dois candidatos só fez iluminar, por contraste, a popularidade do presidente, que atingia índices históricos.

Muitos se precipitaram em festejar o segundo turno como derrota simbólica do governo, condenado a um desgaste prolongado, quiçá insuportável. Mais uma vez, a enorme ansiedade gerada pela mídia partidarizada provocou uma frustração equivalente. A continuidade da disputa mostrou-se favorável a Lula. Sua personalidade política foi reforçada pela exposição compulsória, conquistando um respaldo de que talvez não dispusesse no início da disputa, especialmente junto à classe média. A campanha petista corrigiu os equívocos iniciais, adotou motes propagandísticos eficazes e ressuscitou a militância. O apelo plebiscitário da eleição voltou-se contra seus próprios incentivadores: submetido ao julgamento moral do eleitorado, Lula recebeu a soma inédita de 58 milhões de votos, 11 milhões a mais do que no primeiro turno, 5 milhões a mais do que em 2002.

Geraldo Alckmin só chegou ao segundo turno porque a imprensa foi escandalosamente omissa diante de seu ruinoso governo paulista. Houvesse lisura na atuação dos grandes veículos jornalísticos, o ex-governador fugiria da vida pública, assombrado por processos administrativos, levando a vergonha de ter empossado um secretário de Segurança que patrocinou violações de direitos humanos dignas dos mais incivilizados rincões do país. O "fenômeno Alckmin" significou apenas uma péssima criação publicitária: afogado na própria artificialidade, o candidato transfigurou-se tanto que chegou ao cúmulo de adotar os principais itens da plataforma petista. Sua derrota, por 20 milhões de votos (além da façanha de perder 6 por cento dos eleitores iniciais), soa mais vergonhosa devido aos estratagemas midiáticos utilizados para evitá-la. A contragosto, Lula foi desalojado de seu acomodamento para enfrentar a arrogância dos adversários, os humores populares e os questionamentos pertinentes que tanto evitou. Atirado numa disputa planejada para servir de linchamento público, terminou justamente fortalecido e celebrizado por uma consagração eleitoral da qual jamais desfrutara. Eis a dimensão simbólica dessa conquista.

Guilherme Scalzilli é historiador e escritor. www.guilherme.scalzilli.nom.br

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