terça-feira, janeiro 02, 2007

As vacas leiteiras das dívidas pessoais

A indústria do cartão de crédito e o capitalismo predatório
por Charles Sullivan [*]

O negócio em expansão dos cartões de crédito é uma das indústrias mais lucrativas e destrutivas que já emergiram na inventiva mente capitalista. O Citibank está ajuntar mais dinheiro do que a Microsoft e a Wal-Mart. São realizados lucros obscenos sem levantar um dedo para efectuar qualquer trabalho físico. Em 2004, uma única companhia de cartões de crédito — a MBNA — realizou 1,5 vezes mais lucros do que a McDonald's, o gigante da indústria do fast food. Receber sobre as dívidas de cartões de créditos é um negócio muito lucrativo.

Com origens no Dakota do Sul, a moderna indústria dos cartões de crédito começou a realizar lucros obscenos devido à desregulamentação. O Supremo Tribunal também desempenhou um papel chave na expansão dos lucros da indústria bancária ao elevar os limites para a quantidade de taxas adicionais que as companhias de cartões de créditos poderiam cobrar aos seus clientes. Agora, o céu é o limite. A desregulamentação da indústria resultou na espoliação sistémica dos clientes através de práticas que só podem ser descritas como deliberadas e predatórias por natureza.

Estima-se de diversas maneiras que este ano os cartões de débito representarão cerca de 26% do volume das vendas a retalho entre os feriados do Dia de Acção de Graças [1] e o Natal, mais 3% do que em 2005. O período de compras mais intenso do ano não ocorre na Sexta-feira Negra [2] , como é geralmente relatado, mas entre 11 e 17 de Dezembro. Durante este intervalo os americanos provavelmente gastarão US$ 34 mil milhões em compras com cartões de crédito e de débito; e aproximadamente US$ 86 mil milhões entre o Dia de Acção de Graças e o Natal. Milhares de milhões mais serão gastos em cartões de crédito emitidos por lojas. No total, os americanos aumentarão a dívida com cartões de crédito em mais US$ 135 mil milhões neste período festivo.

Até à data, o volume de cartões de crédito está a ser 11% mais elevado do que no ano passado. A National Retail Federation estima que os consumidores americanos gastarão mais US$ 454 mil milhões durante o período festivo deste ano, incluindo compras a dinheiro. Isto representa um aumento de 5% em relação ao ano passado, ao passo que a VISA USA estima que as vendas a retalho globais para o período festivo de 2006 aumentem 7,5%. Este números são tão incríveis que se tornam difíceis de percepcionar.

Pagar apenas as quantias mínimas mensais, como fazem muitas famílias em dificuldades, pode exigir mais de trinta anos para liquidar um vestido ou uma ferramenta comprada no centro comercial local na Sexta Feira Negra. Isto os tornam prendas muito caras e todos os anos dívida adicional acumula-se à velha, de modo que a sua destrinça é muito difícil ou mesmo impossível. Mas esta é a ideia por trás do capitalismo predatório. Os que estão ao par da indústria referem-se à pequena percentagem de possuidores de cartões que não conseguem um equilíbrio mensal por estarem 'inteiramente exauridos'. As armadilhas para o consumidor são engendradas dentro do sistema de modo a quase garantir que os utilizadores do cartão acabem por atrasar os seus pagamentos ou exceder os seus limites de crédito.

Quando os utilizadores do cartão atrasam seus pagamentos, como os complexos algoritmos utilizadores pelos emissores do cartão prevêem que façam, as taxas de juro ascendem dramaticamente e múltiplas taxas de utilizador são acrescentadas à conta mensal. Milhões de utilizadores de cartão gastam a maior parte do seu rendimento a pagar taxas de utilizador exorbitantes, sem reduzir o balanço mensal nem mesmo minimamente. Os banqueiros estão a arrecadar milhares de milhões, enquanto famílias da classe trabalhadora estão a tornar-se escravas da dívida junto ao capitalistas predatórios da indústria do cartão de crédito. Isto foi tornado possível com as bênçãos do Congresso, a operar sob a influência dos lobbystas corporativos que enxameiam o Capitol Hill como vermes sobre um cadáver.

As leis da bancarrota que outrora proporcionavam às pessoas trabalhadoras um meio de escaparem à dívida já não estão disponíveis como caminho de saída. Deveria ser observado, entretanto, que os tribunais de bancarrotas permanecem abertos para as corporações e proporcionam-lhe alívio da dívida, uma oportunidade para recomeçarem com um passado limpo.

Assim, os banqueiros ladrões continuarão a roubar as famílias trabalhadoras até a morte as levar, e então o fardo da dívida é passado para o parente. Mais do que uma vaca leiteira concebida para defraudar o povo do seu rendimento ganho duramente, a dívida dos cartões de crédito é também um meio de controlar os devedores e mantê-los na linha, e é uma grande frente de batalha na guerra de classe que assola através do continente.

Tal como as galinhas geneticamente modificadas para terem grandes peitos anormais, o consumidor americano é adestrado para consumir e ser consumido pelos capitalistas predatórios. Eles são capturados por campanhas de publicidade sedutoras que alimentam a compulsão para o consumo, não importa quão destrutivo para si próprio ou para o planeta.

Os contratos de cartões de créditos são tão complexos e deliberadamente enganosos que poucos consumidores, ou mesmo juristas, podem compreende-los plenamente; e eles são minados com armadilhas escondidas e ciladas que garantem produzir dívidas para toda a vida.

A partir das estatísticas citadas anteriormente deveria ficar claro que as pessoas apresentam-se nuas e vulneráveis diante dos capitalistas predatórios e dos seus comparsas no governo. A dívida pessoal maciça é ainda outro exemplo de um sistema orientado para o lucro que não funciona para o povo trabalhador deste país. A confiança que deveria prosperar entre pessoas e governo já não existe, deixando a maioria dos cidadãos sem representação. O capitalismo predatório cria enorme riqueza para uns poucos privilegiados através da exploração de trabalhadores que estão a tentar sobreviver trabalhando em múltiplos empregos que rendem salários que não dão para viver, e poucos ou nenhuns benefícios.

Virtualmente todas as instituições financeiras neste país, incluindo a Reserva Federal, estão dispostas contra as famílias trabalhadoras. O Congresso está a operar para o big business e não para famílias trabalhadoras, como se evidencia nas suas decisões políticas e registos de votos. Vamos ser claros acerca do lado em que eles estão.

Métodos cada vez mais criativos de espoliar o povo estão a ser armados nas salas dos conselhos de administração da América e diligentemente transformadas em lei pelo Congresso. Milhões de trabalhadores encontram-se então enterrados sob uma avalanche de dívida da qual nunca escaparão. Os devedores são uma vaca leiteira para as indústrias do cartão de crédito e da banca cujo abastecimento de leite é infindável. Finalmente exigirão de nós que trabalhemos até morrer, pois nossos credores e o Congresso trabalham em conluio para sangrar-nos até à morte e empanturrarem-se com o nosso trabalho e o nosso sofrimento.

A baixa estima em que os trabalhadores são tidos na América pela plutocracia dirigente sublinha a realidade de que ninguém olha pelos nossos interesses. Mas devemos lembrar que abrangemos cerca de 95% da população. Nosso baixo posicionamento nos degraus económicos da escada assegura que permaneceremos no fundo da escala social, tanto a sobreviver como a perecer com as migalhas que caem das mesas dos ricos, garantindo dessa forma a nossa contínua servidão para com eles. Isto também demonstra a necessidade de nos organizarmos como classe e ascendermos em conjunto contra os predadores corporativos que estão a sangrar-nos da vida, liberdade e busca da felicidade.


14/Dezembro/2006

[1] Dia de acção de graças nos EUA: Feriado na quinta-feira da quarta semana de Novembro.
[2] Sexta-feira negra: o dia seguinte ao Dia de acção de graças. É o dia que os comerciantes americanos consideram que saem do vermelho (prejuízo) e começam a ter lucro.

Fontes: BCS Alliance www.Cardweb.com PBS Frontline, November 28, 2006

[*] Fotógrafo, escritor free-lancer e activista social de West Virginia, EUA. O autor agradece comentários para o email csullivan@phreego.com .

O original encontra-se em http://www.uruknet.de/?p=m29017&hd=&size=1&l=e

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Um comentário:

Anônimo disse...

É pessoal, eu também estava com um problema com cartão. Não tão grave, mas estava compromentando parte significativa das minhas finanças, como vcs podem ver aqui: http://www.monacoonline.com.br/blog/?p=131

Eu decidi me livrar definitivamente do cartão de crédito e estou me saindo bem melhor agora.

Sem falar que o cartão atua no seu lado psicológico e te faz gastar mais, conforme mostra este estudo: http://www.monacoonline.com.br/blog/?p=135

Eu não uso mais.