quarta-feira, dezembro 20, 2006

Um frágil cessar-fogo é instaurado em Gaza, entre o Fatah e o Hamas

Os dois "irmãos inimigos" não conseguem chegar a um acordo; o impasse prossegue, em clima de confronto

Michel Bôle-Richard - enviado especial do Le Monde a Gaza

Uma nova moda faz furor em Gaza: os capuzes. Pretos, evidentemente. Este atributo, que foi utilizado inicialmente pelos membros da Força executiva, a unidade paramilitar do Hamas, generalizou-se muito rapidamente entre os integrantes das forças da ordem do outro campo, o do Fatah.

De agora em diante, as ruas de Gaza são povoadas por homens armados, praticamente todos encapuzados, que permanecem estacionados nas encruzilhadas ou desfilam em grande velocidade em jipes ou em veículos 4 x 4 no topo dos quais está instalada uma metralhadora. Nem sempre é fácil distinguir entre as forças de segurança de um campo ou do outro.

Contudo, as referências e os detalhes não demoram a se tornar familiares, principalmente num período de extrema tensão, como é o caso atualmente. Quando as forças de segurança de um dos partidos estão nas ruas, as outras adotam então um "perfil baixo".

Assim, no sábado, 16 de dezembro, depois do discurso de Mahmoud Abbas, o presidente da Autoridade palestina, em que este convocou eleições legislativas e presidencial antecipadas, as ruas de Gaza estiveram sob o controle das forças leais ao Hamas de modo a mostrar que aquilo que é considerado por este partido como "um golpe truculento" não seria tolerado.

No dia seguinte, houve uma mudança de equipes. Foi a vez das unidades fiéis ao Fatah de se mostrar, enquanto as outras permaneceram discretas. De fato, durante a noite, por volta das 4h, um campo da guarda presidencial de Mahmoud Abbas foi atacado no sul da cidade, numa operação que deixou um morto e três feridos. Este ataque não poderia permanecer sem conseqüências.

Daí a ocupação maciça que tomou conta de todas as ruas da cidade de Gaza. Ruas barradas, encruzilhadas minuciosamente vigiadas. Toda uma armada em pé de guerra.

"Nós precisamos acertar as nossas contas, ou então só nos resta a voltar para casa", explica Abu Zouheir, um membro das Brigadas dos mártires de Al-Aqsa, apertado no seu traje de camuflagem, não longe da sede da presidência. "Foi um crime que eles cometeram. Não podemos deixar passar isso, depois do assassinato de três crianças. Nós estamos aqui para nos defender. Este governo fracassou. Ninguém o reconhece mais. Ele precisa ir embora".

O ataque do campo durante o qual cerca de quinze barracas foram queimadas é considerado como um ato de represálias depois da tentativa de assassinato, na quinta-feira, de Ismail Haniyeh, o primeiro-ministro islâmico, em Rafah. O ciclo infernal das represálias e das contra-represálias está engatado.

No domingo, durante todo o dia, ele vai prosseguir num ritmo sustentado. O comboio do ministro das relações exteriores, Mahmoud Zahar, é metralhado por desconhecidos. Não há nenhuma vítima. Então, uma batalha organizada começa a ser travada entre a guarda presidencial, que assumiu o controle dos ministérios da agricultura e dos transportes, e as forças leais ao Hamas, entre outras as brigadas Ezzedine Al-Qassam.

Vários obuses de morteiro são atirados em direção ao palácio presidencial. Uma jovem moça de 19 anos é morta, atingida por uma bala perdida. Ao menos trinta pessoas foram feridas no decorrer do dia. No final da tarde, um coronel, membro do serviço de segurança do Fatah, é raptado junto com os seus guarda-costas e então morto. O seu corpo aparece jogado na rua.

A espiral de violência que foi desencadeada pelo assassinato de três crianças, em 11 de dezembro, acelerou-se de repente, atiçada pelo discurso do presidente Abbas, até que um frágil acordo de cessar-fogo seja instaurado no final da tarde de domingo. Todos se perguntam se ele vai ser respeitado. De fato, a decisão de Mahmoud Abbas de convocar novas eleições provocou uma nova ruptura entre os irmãos inimigos que são o Fatah e o Hamas.

Vale notar que nenhuma data foi fixada e que o presidente da Autoridade palestina deixou a porta aberta para uma possibilidade de acordo para formar um governo de união nacional que, para ele, continua sendo "uma prioridade".

"A minha escolha não se caracteriza por ser algum luxo ou uma precipitação política", declarou ele no final de um discurso de uma hora e meia. A decisão foi tomada com o objetivo de "sair do círculo vicioso, impedir que a nossa vida se deteriore mais ainda e que a nossa causa fique desgastada". Mas as chances de uma reconciliação despontam como ínfimas.

As duas agremiações não admitem questionar as suas posições. Ismail Haniyeh contesta a "constitucionalidade" de eleições antecipadas, estimando que a Lei fundamental que serve como Constituição não permite que o presidente possa dissolver o Conselho legislativo (Parlamento). Sobretudo, menos de um ano depois do pleito de 25 de janeiro que deu a vitória ao Hamas.

"O que nos prova que eles irão aceitar os resultados de uma nova eleição, enquanto eles seguem recusando os da mais recente? Não há garantia alguma. Trata-se de um retrocesso", sublinhou, na noite de sábado, Ayman, um militante da organização islâmica durante uma manifestação na frente da sede do Conselho legislativo.

Na ocasião, uma multidão impressionante respondeu três vezes "não" às três exigências internacionais que foram apresentadas ao Hamas (reconhecimento de Israel, renúncia à violência e aceitação dos acordos firmados). Efetivamente, a situação permanece na estaca zero.

Cronologia

11 de novembro de 2004: morte em Paris de Iasser Arafat, o chefe da Autoridade palestina e fundador do movimento nacional palestino.

9 de janeiro de 2005: eleição de Mahmoud Abbas à presidência da Autoridade palestina. O Movimento da resistência islâmica (Hamas) não apresenta nenhum candidato.

25 de janeiro de 2006: vitória do Hamas nas eleições legislativas palestinas. Ismail Haniyeh torna-se primeiro-ministro. O Hamas controla todos os ministérios.

27 de maio: Mahmoud Abbas anuncia a sua intenção de submeter a um referendo um programa político que defende a realização de negociações com Israel. Mais tarde, ele volta a insistir nessa iniciativa à qual o Hamas se opõe vivamente.

11 de setembro: anúncio de um acordo entre o Fatah e o Hamas, visando a formar um governo de união. Mas as discussões fracassam.



Texto do Le Monde -
Tradução de Jean-Yves de Neufville publicada no Uol Mídia Global

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