quinta-feira, dezembro 07, 2006

'Estagnação' sentida pelos ricos é sinal da queda na desigualdade

Se para os pobres do Brasil o aumento de renda per capita tem sido semelhante à média da China, os ricos experimentaram um crescimento do nível da Costa do Marfim. Redução da desigualdade é isso mesmo, explica especialista do Ipea.

Esqueça a "Belíndia" inventada em meados dos anos 70 pelo economista Edmar Bacha, que depois veio a ser um dos idealizadores do Plano Real. Durante muito tempo, a fusão das condições de vida da Bélgica e da Índia era citada como símbolo do nível da desigualdade no Brasil. Passados mais de 30 anos, a expressão pode estar, desde que seja mantido o ritmo de redução das disparidades de renda nos últimos anos, com os dias contados.

De acordo com Ricardo Paes de Barros, um dos mais consultados especialistas em política social do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), as referências atuais são outras. Se para a parcela mais pobre da população brasileira o aumento de renda per capita tem sido semelhante à média dos ganhos dos festejados chineses, os ricos do território nacional experimentaram um crescimento do nível da nação africana de Costa do Marfim. Isso explica a sensação de que "o País ficou parado", tão comum nos colóquios entre os abonados brasileiros.

"Para que as desigualdades sejam reduzidas, o crescimento dos ricos tem que ser menor. Daí a sensação deles de que o País está estagnado", explicou Paes de Barros, durante o seminário "O Desafio da Redução da Desigualdade e da Pobreza", em debate realizada na última quinta-feira (30). Outros dados comparativos apresentados pelo especialista – resultado de uma publicação de mais de 900 páginas, resultado da colaboração de 42 pesquisadores - ajudam a entender melhor a distribuição desse fenômeno.
O incremento da renda per capita tem atingido a média de 1% ao ano para o conjunto da população brasileira. Para a metade mais pobre do País, esse crescimento foi de 3,7% ao ano. Para os 20% mais pobres, 6%; e de impressionantes 8% ao ano para o segmento dos 10% mais pobres.

O principal desafio está na sustentação da continuidade dessa queda de desigualdade. O Brasil está no grupo de 23% dos países onde a queda da desigualdade foi mais acentuada no período mais recente. Na média, os brasileiros têm uma renda situada ba faixa dos dois terços/um terço: ou seja, dois terços dos países do mundo têm renda média abaixo do Brasil e um terço tem renda média acima do Brasil. Se pegarmos apenas a renda dos mais pobres, o Brasil cai para o segmento dos 25% mais pobres do mundo. E se pegarmos os ricos, o país sobe para o seleto grupo dos 30% mais ricos.

As estatísticas revelam que os sinais captados pelo Ipea ainda não passam do primeiro passo de uma gigantesca jornada. Para alcançar o nível médio de desigualdade do conjunto dos países em desenvolvimento, será necessário que o País siga no mesmo ritmo de redução da desigualdade desde 2001, quando o índice de Gini (que mede a concentração) começou a cair, ao longo dos próximos 25 anos.

Na visão de Paes de Barros, o caminho para manter essa trajetória, pelo menos na parte econômica, já está traçado. A palavra de ordem é integrar. Ele ressalta que o canal de relacionamento entre o Estado e a parte mais pobre da população já foi criado e consolidado com o cadastro único e que agora é preciso agregar outras políticas públicas dentro dessa via de acesso.
"O Bolsa Família veio para ficar. Transitória é a permanência da família no programa", sustenta. A integração das políticas sociais, condiciona o expert do Ipea, não pode ser apenas um "pacotão" padronizado para todos e deve levar em conta as especificidades de cada família.

As questões de foco e prioridade também mereceram comentários de Paes de Barros. "Aumento do salário do funcionalismo não combate pobreza", sublinhou. "Não se trata de fazer de tudo um pouco, mas de escolher aquilo que mais funciona e concentrar os esforços para manter a redução da desigualdade", completou.


E essa priorização dos gastos públicos destinados aos mais pobres levanta uma questão política central:
qual é a capacidade das famílias brancas e ricas de suportar a estagnação vendo os pobres ganhando mais? Para que a desigualdade continue diminuindo, a renda dos ricos necessariamente não pode deixar de crescer mais lentamente.

Fatores determinantes
Uma combinação de fatores explica o grau da redução da desigualdade dos últimos anos. A influência da melhoria de renda não derivada de trabalho mostra que as políticas sociais tiveram um papel fundamental para essa queda. Pensões e aposentadorias, Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada (BPC), que consiste na transferência de um salário mínimo a idosos e pessoas com necessidades especiais que não têm outras fontes de renda, contribuíram respectivamente, de acordo com os dados do livro compilado por Paes de Barros, com 26%, 12% e 11% para a redução da desigualdade. A soma dessas iniciativas foi responsável por metade (49%) da redução.

A diminuição da diferença de remuneração do trabalho por faixa de escolaridade, uma das conseqüências do progresso educacional da população brasileira, também contribuiu com 19% para a redução da desigualdade. Houve uma queda do impacto que um ano a mais da educação tem sobre os salários. O especialista do Ipea explicou que uma diferença menor permite maior acesso aos pobres, como baixar o preço do computador ou do ingresso do cinema para melhorar a formação dos mais pobres. "Ainda se atribui artificialmente muito preço no trabalho para a educação", declarou, lembrando ainda que
o mercado de trabalho continua tratando pessoas com o mesmo potencial produtivo de maneira diferente, como se pode verificar em pesquisas de recorte racial.

Os movimentos de desconcentraçã
o do mercado de trabalho das grandes metrópoles para cidades médias e menores do interior e das áreas urbanas para a zona rural também corroboraram, juntos, com 17% para a redução da desigualdade. "A melhora dos pobres de fora das áreas metropolitanas foi maior", comentou Paes de Barros.

Base de dados
O pesquisador do Ipea aproveitou o evento para responder ao questionamento de que a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e utilizada como base nas pesquisas que vem detectando a queda da desigualdade no Brasil, não registra os rendimentos fora de trabalho (especialmente a renda de aplicações financeiras) e que, portanto, o ritmo da redução não teria sido dessa magnitude.

A renda total aferida pela PNAD é de R$ 850 bilhões por ano, enquanto o total de renda contabilizado por outro levantamento - a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) é de R$ 1 trilhão no ano. O pesquisador do Ipea garante que a POF, mesmo sendo mais abrangente, apresenta os mesmos níveis de redução da desigualdade. Ausente da PNAD, o lucro das empresas de cerca de R$ 250 bilhões consome R$ 150 bilhões de custos de manutenção por ano. Ou seja, segundo ele, os R$ 100 bilhões restantes que ficam retidos desses lucros no Brasil e fora dele não foram suficientes para desequilibrar o peso dos gastos governamentais no sentido distributivo. Também a transferência de bens que não envolvem trocas financeiras (doações de roupas e artigos domésticos, por exemplo) e somam cerca de R$ 24 bilhões por ano e a produção para auto-consumo que chega a R$ 20 bilhões por ano não aparecem na PNAD. Diante disso, Paes de Barros chegou a seguinte conclusão:
"O Brasil talvez esteja ainda menos desigual [do que as pesquisas com base na PNAD estão mostrando]".

Maurício Hashizume - Carta Maior

2 comentários:

Cé S. disse...

Perfeito.

Sobre o assunto, nada como o livro Bolsa-Família.

joice disse...

Valeu a dica, César!