A reportagem é de Lucas Figueiredo do jornal Estado de Minas, publicada na edição de domingo passado (15/04/2007) e me foi enviada pela amiga Eli.
O mistério que dura duas décadas chega ao fim.
Há 19 anos, uma dúzia de oficiais da reserva esconde uma espécie de Santo Graal da linha dura das Forças Armadas: um livro produzido pelo serviço secreto do Exército que conta o que seria “a verdade” sobre a luta armada promovida por organizações de esquerda entre 1967 e 1974. A obra nunca foi publicada e até mesmo seu título foi mantido em sigilo. Alguns poucos exemplares artesanais passaram de mão em mão, num círculo fechado. Apenas 40 páginas da obra (menos de 4% do total) circulam livremente pela Internet, no site do grupo Terrorismo Nunca Mais (Ternuma), que reúne militares e civis de extrema direita.
O Estado de Minas obteve uma cópia do megadocumento, que tem 966 páginas, divididas em dois tomos. A obra tem enorme importância histórica. Ela comprova, por exemplo, que o Exército dispõe de informações sobre mortos e desaparecidos políticos que oficialmente nega ter (veja reportagem às páginas 2 e 3). Contém ainda mentiras, manipulações, mas também verdades incômodas tanto para as Forçar Armadas quanto para organizações de esquerda.
A obra começou a ser feita em 1986 como forma de responder às acusações do livro Brasil: nunca mais, lançado no ano anterior, pela Arquidiocese de São Paulo, para denunciar a tortura e o assassinato de presos políticos na ditadura militar (1964-1985). Durante dois anos, por ordem direta do então ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, cerca de 30 oficiais do Centro de Informações do Exército (CIE) –o serviço secreto da Força– trabalharam de forma sigilosa no chamado Projeto Orvil (orvil é a palavra livro ao contrário). Quando ficou pronto, em 1988, recebeu o título de As tentativas de tomada do poder. Na época, porém, Leônidas desistiu de publicar a obra, que, rebatizada como Livro negro do terrorismo no Brasil, acabou se tornando uma relíquia militar.
Ao descrever o dia-a-dia de dezenas de organizações de esquerda, o livro cita mais de 1,7 mil pessoas, muitas delas ainda em atividade, como o ministro Franklin Martins (Comunicação Social), o ex-ministro José Dirceu, o governador José Serra (São Paulo) e o cantor e compositor Chico Buarque. Os dados, como é dito na apresentação do livro, foram retirados de documentos dos arquivos secretos militares.
Quatro fontes distintas comprovam que é autêntica a cópia obtida pelo Estado de Minas:
1) Trechos do livro foram copiados de documentos secretos do próprio Exército. Um caso concreto: nas páginas 721 e 722, está escrito: “A localidade de Santa Cruz, por exemplo, dista 600 km da sede do município, em Conceição do Araguaia, e a única ligação existente entre elas é o rio, demorando a viagem entre uma localidade e outra uma média de 5 dias”. Texto praticamente idêntico aparece em documento do Exército de 30 de outubro de 1972, classificado como secreto: “(…) A localidade de Santa Cruz dista 600 km da sede do município em Conceição do Araguaia e a viagem pelo rio, único meio de ligação, demora da ordem (sic) de 5 dias”;
2) Outros trechos do livro –como o relato do seqüestro do embaixador alemão Ehrenfried von Holleben, em 1970– são cópias ou adaptações de textos publicados no site do grupo do Ternuma, guardião da obra;
3) Consultadas pelo Estado de Minas, pessoas citadas no livro –entre elas Cid Queiroz Benjamim e Maurício Paiva, que participaram da luta armada– apontam erros e manipulações na obra, mas confirmam a veracidade de inúmeros detalhes que ainda não são de conhecimento público;
4) Um oficial do Exército que tem um exemplar do livro confirmou que a cópia em poder do jornal é autêntica.
Durante dois meses, o Estado de Minas confrontou o conteúdo do livro secreto do Exército com outras 12 obras de referência histórica e com dezenas de documentos das Forças Armadas. Também entrevistou 32 pessoas envolvidas direta ou indiretamente nos fatos narrados. O resultado do trabalho começa a ser publicado a partir de hoje, numa série de reportagens especiais. O Livro negro do terrorismo no Brasil agora faz parte da história.
Com 51 páginas dedicadas a ele, o campeão de aparições do livro secreto é Carlos Lamarca, o capitão do Exército que desertou em 1969 para tentar fazer a revolução socialista no Brasil. Em segundo lugar, com 41 páginas, está Carlos Marighella, o veterano comunista que, no fim da década de 1960, tornou-se ícone da guerrilha urbana no país.
6 comentários:
O Brasil deveria ser passado à limpo.
Enquanto relutarem em abrir os arquivos dos porões da ditadura, pedido feito inclusive por entidades de defesa dos direitos humanos, antes que prescrevesse, os que foram amputados continuarão amargando suas dores e os criminosos torturadores, gozando suas aposentadorias e achando que fizeram um relevante papel à sociedade.
Abs
Acho que já prescreveu.
Mesmo assim, Carlinhos, a abertura dos arquivos (mesmo que ainda parcial) e este tipo de documentos, livros e outras biografias que estão surgindo através de muita pesquisa serão peças fundamentais a compor de fato nossa história.
Mas, ao mesmo tempo às vezes fico pensando que tem sempre tanta coisa em jogo que talvez só uma 'outra ditadura' conseguiria uma abertura total e irrestrita dos arquivos, ao menos num prazo razoável e possível ao conhecimento destas gerações que estão aí. Não que eu esteja sugerindo isso, obviamente. Sigamos então neste passo "democrático".
Lembrando Bebeto Alves: "Nas pegadas das minhas botas trago às ruas...", no caso, é sujeira embaixo dos coturnos. Parabéns pela postagem, Joice e João.
Obrigada, Eduardo. Um abraço.
Sim, Joyce, vamos mantendo o diálogo fora do circuito midiático. Abraços, Juciano.
Postar um comentário