Leia artigo publicado no site da Agência Cartamaior
Gilson Caroni Filho
De quem depende a continuação desse domínio?
De quem depende a sua destruição?
Igualmente de nós.
Os caídos que se levantem!
Os que estão perdidos que lutem!
Quem reconhece a situação como pode calar-se?
(Elogio da dialética- Bertold Brecht)
De quem depende a sua destruição?
Igualmente de nós.
Os caídos que se levantem!
Os que estão perdidos que lutem!
Quem reconhece a situação como pode calar-se?
(Elogio da dialética- Bertold Brecht)
A dúvida como método sempre foi o melhor caminho. Nestes tempos em que a análise política se divorciou dos seus conceitos clássicos, a leitura de proeminentes pensadores dos anos 60/70 pode ser de grande valia para quem quer entender a conjuntura atual. Definir o perfil ideológico dos principais atores e as clivagens político-partidárias que nos desorientam é tarefa detetivesca, tal a fluidez de conceitos, categorias e discursos. Requer da literatura política recente um pouco mais de profundidade analítica. Algo que vai na contramão da afoiteza de marcar presença nas páginas da imprensa. Nessa batida, se perde o tucanato como excelente estudo de caso.
Fundado em 25 de junho de 1988, o Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB) é um equívoco no próprio nome. Um lance de oportunismo travestido de roupagem ética e veleidades de modernização política. Uma agremiação de origem parlamentar que, desde o início, apostou na arbitragem suprema do mercado guarda alguma relação com suas supostas congêneres européias? A resposta parece negativa independentemente da angulação que escolhamos. Um partido de quadros de classe média e sem base operária que se autodenomina social-democrata é uma idéia fora do lugar. Nada mais que isso.
No plano econômico, os filhos do cisma entre socialistas e comunistas europeus praticavam um modelo no qual, embora a acumulação fosse realizada pela iniciativa privada, em sociedade ou não com empresas públicas, uma tributação progressiva gravava parte da mais-valia acumulada, direcionando-a para setores pouco rentáveis ao grande capital: educação, saúde pública, transportes, saneamento e previdência. Alguma semelhança com os oito anos de governo FHC e a primazia dada ao avanço puro do capital rentista? Alguma relação com a adoção do receituário que previa a desregulamentação da economia e privatização criminosa do patrimônio público?
No campo das políticas públicas havia, na social-democracia alemã, forte presença de subsídio aos desempregados, apoio ao trabalhador aposentado e o freio institucional ao livre fluxo do capital. Por ameaçar a coesão social com sérios riscos de anomia, a lógica do lucro era submetida a uma triagem prevista na institucionalidade do regime político. Até aqui, alguma semelhança com o modelo brasileiro adotado no final do século passado?
Aqueles que, em Bad-Godesberg (1959), romperam em definitivo com o marxismo assinariam um modelo que, segundo o Mapa da Fome, elaborado pela Fundação Getúlio Vargas, em 2001, levava à indigência 29% da população? Coonestariam a regressividade tributária que onerava mais pessoas físicas que grandes corporações e bancos? Com seu apreço a Keynes, levariam oito anos para dar ao trabalhador um rendimento médio de R$ 350, enquanto decuplicam os lucros do setor financeiro? A versão tupiniquim teve, nesses indicadores, as premissas para o êxito de sua estabilidade macroeconômica. Bernstein se revira no túmulo. De tanto rir.
Mas não paremos por aqui. Segundo Wanderley Guilherme dos Santos, conceituado cientista político, "não há social-democracia sem a afirmação de um parlamento forte, soberano, capaz de efetivamente legislar" (A proposta social democrata, org. Hélio Jaguaribe, José Olympio, Rio, 1989). Nesse ponto podemos trabalhar com a memória dos tempos tucanos: sai fortalecida a instância representativa que vê o destino de emendas orçamentárias ser decidido pelas conveniências da aprovação de uma emenda constitucional de interesse do Executivo? E o abuso de medidas provisórias? E a inexistência de relações estreitas entre movimento social e representação partidária? Algum leitor pode, a essa altura, indagar: mas muitos dessas práticas não continuam? Aos puristas, respondo com outra pergunta. Nosso conhecido patrimonialismo foi amplificado com o pragmatismo utilitário-eleitoral da turma de FHC? Como se daria a ruptura abrupta com tais práticas? Com bonapartismo ou súbita conversão ética das oligarquias? Como as duas alternativas são impossíveis, não nos entreguemos a exercícios de hipocrisia política.
Francisco Weffort, o dirigente partidário que, por uma prebenda, dormiu petista e acordou tucano, na mesma publicação se pronunciava sobre o tema: "Quando se fala de social-democracia fala-se de um padrão histórico determinado de organização político-partidária e de regime político, numa certa época, num determinado período histórico na Europa (...) em que os partidos social-democratas chegaram ao poder apoiado em organizações sindicais de trabalhadores". Alguém reconhece aqui o PSDB ou mesmo a realidade em que ele surge? Em suma, a social-democracia no Brasil guardaria a mesma licenciosidade que o liberalismo. São idéias fora do lugar.
Ora, como definir então a criação de FHC? Chamá-la social-democrata como quer o colunismo chapa-branca de plantão é prova de desconhecimento histórico. A "direita da esquerda" alemã do século passado não guarda qualquer relação com a esquerda da direita do governo que, por oito anos, apresentou a lógica da banca investida do poder de verdade. Há quem possa afirmar que a social-democracia contemporânea reza a mesma cartilha do tucanato. Matou o welfare state e foi ao cinema com o neoliberalismo. Tudo bem. Tal constatação só reforçaria que a tentativa de clonagem foi exitosa, mas o clone brasileiro, tal como a ovelha Dolly, já nasceu envelhecido.
Chegou a hora de a esquerda decidir o que quer ser. Ou defende as conquistas dos últimos anos e buscamos, na medida do possível, avançar. Ou, tal como o PPS, escolhe o símbolo que melhor define sua trajetória recente: a de palhaço da burguesia. As gargalhadas são garantidas.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, e colaborador do Jornal do Brasil e Observatório da Imprensa.
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