terça-feira, outubro 02, 2007

Para além dos arautos da desdita

Os pessimistas que me perdoem, sei que ainda há muito o que fazer, mas vislumbro um futuro promissor para o país. Isso, claro, se os engenheiros da destruição e os sabotadores encastelados na grande imprensa, e até mesmo no Banco Central, deixarem.

Lula Miranda

Se você é um sujeito de classe média, como eu, mas com a agravante condição de ser leitor ou assinante da Folha de S.Paulo, do “Estadão” ou do Globo, e leva a ferro e fogo o que (des)informam esses veículos, todos os dias, aos seus olhos, são pardacentos, frios, chuvosos, tenebrosos até. Tudo lhe parece estar irremediavelmente perdido. O pessimismo já lhe deixou cético e prostrado. Você vive imerso num desalento que imobiliza. Já não tem entusiasmo para muita coisa. Já não acredita nos homens, já não acredita em mais nada – tornou-se um cético empedernido. Talvez por isso nem acredite, se eu lhe disser, que você pode enxergar a realidade que lhe cerca com outros olhos – e não com os olhos dos outros. Talvez, quem sabe, se você tentasse, ao menos, limpar um pouco as lentes com as quais enxerga o mundo. Quem sabe enxergasse as coisas de modo um pouco diferente.

Tenho observado ultimamente, com uma dose de apreensão e preocupação, um clima de intolerância que pouco a pouco vai se instalando, sorrateiro, na sociedade. Algumas pessoas estão mais agressivas, se irritam por pouco – na linha “pavio curto”. Lembram do filme “Um dia de fúria”, com Michael Douglas no papel principal? É por aí. Desconfio seriamente que esse clima é decorrente, em grande medida, dessa espécie de “comoção negativista” que certos (de)formadores de opinião martelam diuturnamente nos “jornalões” e nas TVs.

Em sua pregação “apocalíptica” anunciam que as instituições estão “podres”, “falidas”. Que no Senado e na Câmara só tem ladrão. Julgam e condenam a todos de modo peremptório, definitivo, precipitado – como um verdugo. Associam ao nome do presidente da Republica epítetos nada respeitosos – isso para dizer o mínimo, mas é cada impropério... Parece um vale-tudo da maledicência, do desrespeito, do pessimismo. Parece que tudo vai mal, que tudo está irremediavelmente perdido.

Sabemos que não é esse exatamente o espelho da realidade. Procuro ver a realidade com meus próprios olhos; ouvir o “clamor” que vem das ruas com meus próprios ouvidos. Pensar com a minha cabeça e formar juízos de valor a partir dos meus próprios valores – na dúvida, busco referência nas palavras de jornalistas mais isentos e ponderados, lastreados no bom senso e no pluralismo, e, por último, nas palavras e obras dos pensadores que a cultura ocidental (e universal) nos legou.

Leio muito pouco, quase nada (só o indispensável), os chamados “jornalões”, pois privilegio como fonte de informação a mídia alternativa: sites e blogs de jornalistas e veículos desvinculados dos grandes grupos de comunicação. Não confundo jamais opinião pública com opinião publicada, e não dou muita atenção e crédito aos “intermediários” nessa mediação da observação da realidade circundante – os aqui chamados (de)formadores de opinião.

Gosto de conversar com os chamados, por certos membros da elite, “subalternos” – aqueles indivíduos, quase sempre tratados como “invisíveis”, que nos servem cotidianamente e servem, também, de alicerce à pirâmide social: porteiros, vigilantes, faxineiros, balconistas etc. É aí que as supostas e intangíveis melhorias na economia ganham vida ou se mostram como algo concreto, do mundo real. Para além da PNAD, da econometria ou das projeções econômicas dos tecnocratas e dos “especialistas” e “analistas” a serviço do governo ou da grande imprensa. Portanto, frise-se, para além dos mercadores ou arautos de desgraças em que se constituíram alguns jornalistas da grande mídia.

Um porteiro, meu conhecido, me diz que conseguiu no ano passado terminar a construção do “barraco” dele, num bairro qualquer na periferia da cidade. A obra passara vários anos parada, pois, segundo ele, o saco do cimento era o dobro do preço nos anos FHC . Estava radiante, feliz da vida, uma vez que estaria livre, de uma vez por todas, do famigerado aluguel.

Um dos vigilantes do prédio onde trabalho também está feliz da vida. Pediu-me, com os olhos marejados, para faltar um dia ao trabalho para cuidar da papelada, pois conseguira juntar um “dinheirinho” para dar de entrada no financiamento de um “sobrado” – apesar de ser baiano, como eu, ele já aprendera a, utilizando-se da linguagem dos paulistas, chamar a tão almejada casa própria de “sobrado”. O restante do valor financiado será pago em suaves prestações através de um financiamento junto à Caixa Econômica Federal. Os juros e a inflação baixos, associados ao alongamento dos prazos de financiamento (30 anos), possibilitaram a realização daquele “sonho”.

O operador de empilhadeira, que presta serviço na mesma empresa que eu, vem me contar, todo entusiasmado, que esse ano conseguira um “bom aumento” de salário. Nas contas dele, um aumento de R$ 60,00 que, somando-se ao aumento de R$ 20,00 no vale-alimentação, daria um ganho “significativo” – está certo que para os indivíduos de um outro extrato social esse ganho seria uma “merreca”. Para ele, e para sua família, significava um pouco mais de comida à mesa e, quem sabe, até um passeio com a patroa e as crianças num fim de semana qualquer.

Poderia citar ainda inúmeros casos de conhecidos que conseguiram emprego (ou mudaram para empregos melhores), compraram um carro ou apartamento (ou mesmo um computador), puderam cursar uma faculdade etc. Podem ser estes, de fato, apenas singelos, ordinários e parcos relatos que estão ao meu alcance. Mas relatos e casos como esses podem ser ouvidos por aí, espalhados por todo o país. E isso é alvissareiro, inegavelmente. A esses se somam os relatos silenciosos de mais de 1,3 milhão de brasileiros (muitos dos quais pais e mães de família) que, finalmente, conseguiram um emprego com carteira assinada – isso só nesse ano de 2007. Se contarmos desde o começo de 2003, são mais de seis milhões de postos de trabalhado “celetistas” (regidos pela CLT), criados ou recuperados.

Portanto, meus amigos, para além das ideologias, dos partidarismos e interesses outros, comezinhos; para além até mesmo dos bons resultados aferidos na última PNAD (redução da pobreza, da taxa de fecundidade, crescimento da renda domiciliar per capita de cerca de 9%, dentre outros) e dos alvissareiros números, resultados e projeções estatísticas apresentados pela nossa economia, devemos olhar, com carinho e atenção, para essas pequenas e significativas mudanças ou melhorias. Não apenas na nossa vida, mas, e principalmente, na vida das pessoas comuns que nos cercam – e que povoam, de alguma forma, o nosso mundo. Esses brasileiros, por tanto tempo esquecidos, explorados e vilipendiados, parecem estar tendo agora a sua vez.

Projeções de analistas apontam que, se o país crescer anualmente na ordem de 5%, teremos, já em 2010, uma redução significativa do número de desempregados no país para a casa dos 4% – ou 6%, dependendo do cenário e do analista. Não é necessário ser economista ou um especialista para perceber que, crescendo a economia, de forma continuada, aumenta o emprego formal (com carteira assinada) e, com isso, cresce a arrecadação da Previdência (conseqüentemente, reduz-se o suposto e controverso déficit previdenciário). Aumenta também o consumo, o que faz crescer a arrecadação de impostos – dessa forma o governo pode aumentar os gastos em saúde, habitação, educação e investimentos públicos. E assim, pouco a pouco, e o mais rápido possível, reduziremos os déficits que realmente importam: o do emprego (leia-se brasileiros e brasileiras desempregados), o da moradia (leia-se homens e mulheres sem-teto) e o do saneamento básico e infra-estrutura urbana.

Os pessimistas que me perdoem, sei que ainda há muito, mas muito mesmo, o que fazer, mas vislumbro – até que enfim! – um futuro promissor para o país. Isso, claro, se os chacais, os engenheiros da destruição e os sabotadores encastelados na grande imprensa, e até mesmo no Banco Central, deixarem.

Por essas e outras que não aceito a pauta infame/ruinosa que nos é imposta pela grande (e velhaca) mídia. Quero saber é das reformas (política, tributária, sindical etc) e dos próximos passos tão necessários à reconstrução dessa nação tão destroçada. Essa é a minha pauta.Também é, por acaso, a sua?


Lula Miranda é poeta, cronista e colabora semanalmente com a Carta Maior. É Secretário de Formação para a Cidadania do Sindicato de Trabalhadores em Editoras de Livros de São Paulo.

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