terça-feira, maio 22, 2007

O ouro puro que não foi manchete

Artigo do Luis Weis, publicado ontem no blog Verbo Solto, no Observatório da Imprensa.

O ouro puro que não foi manchete

A manchete da Folha deste domingo é o tipo da notícia "cachorro morde homem":


"Guatama é suspeita em licitação de R$ 1,6 bi".


Nada contra, em princípio. È o assunto quente dos últimos dias, desde que a Polícia Federal mostrou quem e onde foi cortado pela Operação Navalha.


Mais eis que o leitor bate os olhos na metade de baixo da página, depois da dobra, topa com um título em duas colunas, "Economia do país nunca esteve tão bem, diz estudo" e se põe a ler:


"O Brasil vive o melhor momento econômico de sua história, superior ao chamado milagre econômico dos anos 70, diz estudo da Tendências".


E fica boquiaberto.


Ele está diante do tipo da notícia "homem morde cachorro" - meio caminho andado para ser alçada ao topo da página, sem falar da gritante importância do assunto em si.


A notícia é inusitada - daí o "homem morde cachorro", porque o principal sócio da Tendências Consultoria não é outro se não o ex-ministro da Fazenda, crítico duro e obsessivo do governo Lula, economista Maílson da Nobrega, que escreve aos domingos no Estado.


Não é todo dia que um jornal põe as mãos em mercadoria dessa qualidade e procedência - ouro puro, como se diz ou se dizia nas redações. Tanto que a Folha o esparramou por boa parte de quatro das dez páginas do seu caderno Dinheiro.


O jornal, naturalmente, ouviu quem torce o nariz para o trabalho da Tendências e usou no sub-título da matéria principal do pacote a expressão "estudo controverso e contestado", explicando no texto de abertura:


"Evidentemente, muitos economistas e empresários discordam da tese [da inigualável situação da economia nacional]. Apontam a alta carga tributária, a necessidade de reformas e carências estruturais como impedimentos para uma expansão sustentável."


Exemplo desses "muitos economistas" é outro ex-ministro da Fazenda, Luiz Carlos Bresser-Pereira. Diz:


"Estamos fracassando miseravelmente há 27 anos. Estamos ficando para trás, para trás e para trás, e faço questão de dizer três vezes, para que não haja sombra de dúvidas."


Na outra ponta, a mais vigorosa declaração é do empresário Luiz Largman, diretor da Construtora Cyrela:


"Se o pessoal da Tendências estiver errado é porque eles estão sendo conservadores."


Se isso não vale manchete, não sei mais o que a palavra significa.


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