sábado, fevereiro 17, 2007

o seqüestro das leis



















A ilustração é do cartunista-jornalista Ben Heine
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O texto abaixo é do jornalista Luiz Eça e foi publicado no Correio da Cidadania. Recebi por e-mail através do grupo Reflexão Política e reproduzo aqui:


O seqüestro das leis

Luiz Eça

"Os Estados Unidos são um país de leis. Meus colegas e eu juramos apoiar e defender a Constituição. Nós acreditamos no império da lei”
Condoleeza Rice

Ninguém mais zeloso do que o governo americano em denunciar os países que transgridem as leis internacionais e exigir sanções contra eles.

Curioso, pois ele tem sido o principal transgressor.

Só para citar alguns exemplos recentes, temos a invasão ilegal do Iraque - o bombardeio da cidade de Faluja com armas químicas (fósforo); o bombardeio, sem estado de guerra, de aldeia da Somália, matando cerca de 30 civis inocentes.

Nos países do Ocidente, onde o Direito é cultuado como em nenhuma outra parte, fatos assim costumam gerar apenas protestos de jornais e ONGs ou, eventualmente, reprovações tímidas e fraternais de autoridades.

Agora, as coisas parecem estar mudando.

A Justiça alemã acaba de expedir mandado de prisão contra 13 agentes da CIA pelo seqüestro e prisão de um cidadão alemão, numa operação da “Extraordinary Rendition” (rendição extraordinária).

Este é o nome de um programa da CIA no qual seus agentes seqüestram suspeitos de terrorismo no exterior e os transportam para países onde se pode torturar à vontade sem “embaraços” legais. Os seqüestrados não têm direito a advogado, a recursos, sequer a comunicar-se com a família. Simplesmente somem.

Para a secretária de Estado, Condoleeza Rice, isso é perfeitamente justo: “Há casos onde o governo local não pode prender ou processar um suspeito e a extradição tradicional não é uma boa opção. (Nesses casos)...as ‘rendições’ são permitidas pela lei internacional”.

Não é bem assim. Segundo Comissão Especial do Parlamento Europeu, as “extraordinary renditions” violam o Tratado da União Européia, a Convenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, a Convenção das Nações Unidas Contra Torturas e os acordos de extradição Estados Unidos-Europa. E, é claro, desrespeitam a soberania dos países onde elas acontecem. Além disso, pelas leis americanas, é crime torturar fora do território do país. E, se a vítima morre, o crime é punível com a morte.

Foi baseado nestas leis que os promotores da cidade de Munique emitiram, em 31 de janeiro, um mandado de prisão contra 13 agentes da CIA. Eles haviam seqüestrado Khaled al-Nasri, cidadão alemão filho de libaneses, e levaram-no à força para o Afeganistão. Lá foi acorrentado, torturado e investigado durante 5 meses por supostas ligações com a al-Qaeda. Sendo inocente, acabaram jogando-o numa floresta da Albânia, sem maiores formalidades.

Para chegar a uma conclusão sobre o assunto, os promotores alemães realizaram longas investigações, sem contar com qualquer colaboração do Departamento de Justiça dos EUA. Por sua vez, o governo americano manteve-se em silêncio, mesmo diante das acusações de tortura. Afinal, Condy já declarou que “erros” são inevitáveis, apesar do rigor com que a CIA seleciona os agentes. Em recente entrevista ao periódico alemão SPIEGEL, Tyler Drumheller, ex-diretor da CIA na Europa, informa como são os agentes da “extraordinary rendition”: “Se eles não fizessem ações paramilitares para viver, estariam provavelmente assaltando bancos”.

Masri acionou a CIA na Justiça dos Estados Unidos pedindo reparações. Mas a agência alegou que, havendo processo, teria de revelar segredos de Estado. E o juiz federal anulou o feito.
A CIA está também sofrendo o ataque de promotores italianos. Em junho de 2005, o promotor Guido Salvini emitiu um mandado de prisão contra 26 agentes da CIA pelo seqüestro do clérigo Hassan Osama Nsr na cidade de Milão. Ele foi levado ao Egito, onde foi mantido incomunicável e repetidamente torturado. Embora a polícia política desse país seja famosa pela brutalidade, nada se apurou contra Nsr, que foi solto. Por telefone, ele revelou tudo à sua família, antes de ser novamente preso.

Entre os implicados na abdução estava Robert Seldon Lady, chefe da CIA na região. Como não se conseguiu a extradição dos envolvidos, o processo seguiu “in absentia” dos réus. Espera-se para este mês a decisão do juiz quanto ao seu indiciamento.

Nos dois casos, a CIA violou a soberania da Alemanha e Itália, com quem os Estados Unidos mantêm boas relações. Nem por isso, os governos dos dois países ultrajados protestaram. Angela Merkel, chefe do governo alemão, limitou-se a dizer que “a CIA reconheceu seu erro”.

Mas o Parlamento Europeu não ficou nesta postura passiva. Foi constituída em fins de 2005 uma comissão para investigar as “extraordinary renditions” e o eventual envolvimento de países membros. Depois de um ano de trabalho, a comissão concluiu que, em muitas ocasiões, a CIA raptou ilegalmente indivíduos em regiões da Europa e transportou-os secretamente para países como o Egito e o Afeganistão,onde foram torturados.

A Comissão do Parlamento Europeu acusou várias autoridades de participação nos seqüestros, entre as quais Nicolo Pollari, chefe dos serviços de inteligência italianos no governo Berlusconi. De acordo com o testemunho de Craig Murray, ex-embaixador inglês no Usbequistão, informações extraídas nesse país de indivíduos seqüestrados com o uso de tortura eram fornecidas aos serviços de inteligência ingleses.

Na apresentação do relatório final sobre as “renditions”, disse Sarah Lutford, deputada do Partido Liberal Democrata: “Se as aspirações da Europa de ser uma comunidade de direitos humanos têm algum sentido, é necessário haver uma vigorosa resposta à forte evidência de que a CIA seqüestrou, aprisionou ilegalmente e transportou suspeitos de terrorismo na Europa. E governos europeus, inclusive a Inglaterra, fecharam os olhos ou colaboraram ativamente com os Estados Unidos”.

Com as “Extraordinaries Renditions”, o governo Bush exagerou. Fica difícil condenar a Coréia do Norte, o Irã e o governo do Hammas por desrespeito à ordem internacional quando se está seqüestrando, violando soberanias e torturando habitantes de outros países de onde são arrancados à força. Os governos europeus costumam temer o poderio yankee, mas seus judiciários e parlamentos começam a erguer a cabeça. Para alguns observadores, a Casa Branca acabará tendo de ceder e buscar bodes expiatórios das suas malfeitorias. Aqui vale lembrar a frase de Coffer Black, ex-chefe de contra-terrorismo da CIA: “Um dia todos nós seremos julgados pelo que estamos fazendo hoje”.

2 comentários:

Ben Heine disse...

Thanks for using my portrait of Bush. You have a great Blog!

joice disse...

Nice of you, Ben. and thanks for your gentle emails.