Maria Helena Moreira Alves, PhD, Ciências Políticas
A autora é escritora e conferencista internacional. Com mestrado e doutorado em Ciência Política, do MIT, seu mais importante livro State and Opposition in Military Brazil (Texas University Press, 1984), publicado no Brasil em 1985 pela Editora Vozes, e re-editado em 2004 pela EDUSC, de São Paulo, com o título de Estado e Oposição no Brasil (1964-1984), é considerado um clássico da história do Brasil neste período. Maria Helena Moreira Alves é também autora de mais de 30 artigos sobre a América Latina publicados em revistas especializadas dos Estados Unidos e Europa.
Quem viveu no Chile na época da eleição do Allende, ou conhece bem a história do Chile, deve estar sentindo, como eu, uma sensação de "dejá vu". Pois é. Eu já vi este filme. Durante a campanha para Presidente no Chile, em 1970, praticamente todos os meios de comunicação falavam que Salvador Allende, o candidato da Unidad Popular - coligação de partidos de esquerda - iria dividir o país entre ricos e pobres, iria exilar os mais ricos, expropriar toda a propriedade privada da classe média, inclusive suas casas e apartamentos em Santiago, e levaria o país ao caos comunista. Também disseram, sem cessar, que Allende era alcoólico, e profundamente corrupto.
Os jornais, rádios e a televisão mostravam pilhas de dinheiro que supostamente roubado pelo Allende e seus assessores. Pelas escolas do Chile foram mostrados filmes com crianças sendo levadas à força para a União Soviética. Assustaram a classe média, mas com isso tudo, não adiantou nada. Allende venceu a eleição no dia 4 de Setembro de 1970. Mas, como ganhou com muito pouca diferença, de acordo com a legislação chilena na época, o Congresso Nacional deveria votar para decidir qual dos dois candidatos mais votados seria o Presidente. Foi então que aconteceu o impensável. René Schneider, Comandante em Chefe das Forças Armadas, e defensor da Constituição do Chile, foi emboscado por um grupo de homens armados no dia 24 de outubro de 1970. Levou mais de 15 tiros. Morreu dois dias depois no Hospital Militar de Santiago. A imprensa inteira colocou a culpa no Allende e seus aliados. A crise quase levou o Congresso a não referendar sua posse como Presidente da República. Mas, afinal, foi descoberto que tudo tinha sido armado pela CIA dos Estados Unidos que financiou um grupo de extrema direita, da Patria y Libertad, para realizar o atentado. E o Congresso aprovou a posse de Allende.
Muitos anos mais tarde, com a desclassificação de documentos secretos da CIA, ficou amplamente comprovado que também a campanha da imprensa tinha sido orquestrada e financiada pela CIA. Inclusive com notas e artigos diretamente preparados por seus agentes e "implantados" na imprensa, em jornais prestigiosos e, supostamente, "independentes e neutros" como o El Mercurio. E os "fatos", tão explorados na época, como o seqüestro de crianças para serem enviadas à União Soviética, e as pilhas de dinheiro roubadas pelos aliados de Allende, tinham sido montagens elaboradas nos gabinetes da CIA.
Henry Kissinger, então Secretário de Estado dos Estados Unidos, declarou abertamente que os Estados Unidos não poderiam deixar um país como o Chile se transformar em território comunista só porque "o povo irresponsável tinha votado majoritariamente em um Presidente socialista." E, declarou Kissinger, "uma revolução de pele escura" não podia florescer pelo perigo que representava o caminho para o socialismo pelo voto. Não pelo Chile, pequeno e pouco importante país dentro dos esquemas de controle imperial, mas sim, como falou abertamente Kissinger, durante uma conferência em MIT, à qual assisti pessoalmente, "pelo exemplo que seria para outros países, entre os quais a França e a Itália."
Espero que ninguém seja assassinado no Brasil para que joguem a culpa no Lula. E acho que não chegariam ao ponto de mostrar filmes de criancinhas sendo mandadas quem sabe para onde hoje em dia. Aliás, fica difícil para eles, já que a União Soviética deixou de existir. Mas nem por isso os Estados Unidos deixam de se meter nas eleições em outros países. O George Bush declarou que o "Eixo do Mal" na América Latina está entre Cuba, Venezuela, Argentina e o Brasil. Agora adicionaram a Bolívia a este "Eixo do Mal". A reeleição do Lula para Presidente da República tem um significado importante na luta pelo controle regional da América Latina. A destruição do caminho de integração regional latino-americana, em contraposição ao ALCA, ou aos tratados bi-laterais (TLC), nos quais os Estados Unidos têm clara vantagem comercial, é importante item na agenda da política externa norte-americana. Que não se enganem os que pensam que Bush está por demais ocupado no Iraque para pensar na América Latina. Hugo Chavez o tem desafiado. E, o Lula também. Afinal, o Brasil, durante o governo do Lula, foi chave na formação de um grupo internacional de países aliados contra os interesses dos Estados Unidos na ONU e, principalmente, na Organização Mundial do Comércio. E este grupo, o chamado "Grupo dos 20", chateou a tal ponto que afinal as negociações na OMC foram deixadas de lado, sine die. Poderíamos dizer, sine die não, apenas até que pudessem derrotar politicamente os que ousavam enfrentar os países dominantes com propostas de comércio que favoreciam os países mais pobres.
Então, que quero dizer com a idéia de que os Estados Unidos estão se metendo nas eleições do Brasil? Não é a toa que estudei tanto no MIT ciências políticas. Justamente nos anos da intervenção norte-americana no Chile, na República Dominicana, na Guatemala, em Granada, depois na Nicarágua e El Salvador. Nestes tempos, como estava "entre amigos" no MIT, tive acesso a muitos documentos importantes e de estratégia política eleitoral. Uma das propostas estratégicas, hoje amplamente empregada em vários países da América Latina, tem o nome de "Guerra de Baixa Intensidade", doutrina de controle político-militar que inclui a chamada "Guerra Psicológica". Foi usada primeiro no Chile, não somente em 1970, mas principalmente depois que Allende tomou posse como Presidente, para tentar barrar o crescimento dos partidos da Unidad Popular no Congresso, em 1973. A estratégia política consiste em quatro partes:
1. A desconstrução da imagem do político que pretendem derrotar. Isso quer dizer, na prática, a destruição pública de tudo que a pessoa representa. Deve ser apresentado como corrupto, rodeado de assessores que desviam dinheiro público e se apropriam de propriedades do Estado. Também, ensina a doutrina, deve ser enfatizado que o político a ser "desconstruído" representa enorme perigo politicamente para seu país e até para o mundo. Deve ser destruído pessoalmente com campanhas que o mostrem como fraco, como bêbado e até como traidor de mulheres. No caso do Allende chegaram a forjar uma foto falsa, estampada em jornais, do Presidente "transando" com sua secretaria no chão do Palácio da Moneda. Novamente, espero que nossa Primeira Dama Marisa não venha a sofrer tanta humilhação como a pobre esposa de Salvador Allende, Hortensia Bussi de Allende, sofreu. Pedimos aos leitores, se não acreditam no que estou falando, que dêem uma olhada na internet na extensa bibliografia sobre esta época do governo de Salvador Allende no Chile e também nos documentos secretos agora desclassificados da CIA. Leitura informativa que também mostrará casos muito semelhantes na República Dominicana, e na Nicarágua, quando da eleição que pôs fim na Revolução Sandinista com a vitória de Violeta Chamorro nas eleições de Presidente de 1990. Podem ver também eventos mais recentes na mesma Nicarágua, novamente "ameaçada " com a possível vitória eleitoral de Daniel Ortega, ou na Venezuela com tudo que fizeram, e fazem ainda, para derrubar o incômodo Hugo Chavez. Casos claros de "desconstrução" de políticos que são considerados "não-desejáveis" por Washington.
2. Na estratégia política chamada de "Guerra Psicológica" se usa a imprensa e outros meios de comunicação. Todos sabemos que na verdade não existe a tão laureada e aclamada "imprensa livre e independente" no mundo atual. Se é que algum dia existiu. Todos os meios de comunicação são empresas particulares, algumas delas são gigantescos monopólios pertencentes a uma só família. O caso do El Mercurio do Chile, da família de Agustín Edwards, do jornal La Prensa, da família Chamorro na Nicarágua, e da nossa tupiniquim Organizações Globo (radio, TV e jornais), da família Marinho. Controle familiar também é a regra no O Estado de São Paulo, da Folha de São Paulo. E muitos outros veículos da imprensa escrita. No caso das rádios e televisões locais quase todas são fruto de concessões entregadas pelo Estado. No Brasil a maioria pertencem a poderosas famílias políticas que as usam abertamente para defender seus interesses. Na chamada "grande imprensa internacional" as influentes NBC, CBS e CNN norte-americanas são multinacionais e quatro outras grandes multinacionais de comunicações dominam o conhecimento do mundo. Sendo particulares, naturalmente atendem aos interesses individuais de seus donos, ou , no caso das empresas multinacionais, das classes dominantes dos seus países. Não podemos esperar que sejam "independentes e neutras", que realmente mostrem os "dois lados da história" e que apóiem posições políticas que podem ser prejudiciais aos seus interesses econômicos.
Portanto, a estratégia de "desconstrução" é altamente eficaz. "Guerra Psicológica" é o termo usado em ciências políticas e nos documentos politico-militares dos Estados Unidos que se referem à Guerra de Baixa Intensidade.
3. A Guerra Psicológica também envolve a criação de "fatos novos". Cria-se um fato novo, como o caso do assassinato do General René Schneider no Chile, ou até, para lembrar aos leitores, o caso do seqüestro do empresário Abílio Diniz no Brasil. E a culpa é colocada, novamente utilizando todos os meios de divulgação das notícias, no político ou nos partidos aliados inimigos. No caso do Abílio Diniz, em 1989, a culpa foi colocada no PT. Até bandeiras vermelhas e panfletos da campanha de Lula para Presidente estavam espalhadas pelo esconderijo do empresário e foram "encontradas" e expostas em todos os meios de comunicação dias antes da eleição presidencial. Não importa que depois se tenha descoberto que o seqüestro foi planejado e levado a cabo por um grupo de chilenos do MIR que pensavam angariar fundos. As eleições já tinham passado e Lula foi derrotado, com muita influencia do escândalo feito na imprensa com o seqüestro do empresário. Os verdadeiros responsáveis pelo seqüestro foram presos, mas o fato foi muito pouco divulgado.
Nos dias atuais, o famoso "dossiê" contra candidatos do PSDB parece em realidade um fato construído propositadamente. Na minha opinião, foi brilhante da parte dos opositores do Lula. Afinal, se tudo foi preparado, contaram com ou a conivência ou, no mínimo, a estupidez dos próprios apoiadores do Lula. Golpe de Mestre. Tiro no pé, no mínimo. Mas, se mais tarde, for revelado ao público que nem tudo era como parecia, não importa. Afinal, será depois das eleições que se descobrirá a verdade. Se for antes então falham, como no caso do assassinato do René Schneider. No nosso caso, hoje, ainda antes do segundo turno, já está transparecendo que essa história do "dossiê" está mais complicada do que parecia. Hoje já está claro que o Gedimar Passos, que foi preso com o dinheiro da suposta compra do dossiê, não é nada filiado ao PT. Ainda mais, de acordo com seu testemunho na Policia Federal e sua defesa apresentada ao Superior Tribunal Eleitoral. Nem conhecia o Freud Godoy, assessor do Lula que a imprensa queimou tanto. E Gedimar Passos ainda afirma em depoimento ao Supremo Tribunal Eleitoral, na representação entregue dia 10 de outubro de 2006 no TSE, que o Freud Godoy, que foi chave, por ser assessor direto do Lula, não tinha nenhuma vinculação com a suposta compra do dossiê. Não importam os fatos. Como diria Tancredo Neves, o que importa é a interpretação dos fatos que foi dada por toda a imprensa escrita e eletrônica. E, no caso, o efeito desejado foi alcançado. O Lula não ganhou no primeiro turno e o quadro está armado para a verdadeira "desconstrução" visando a vitória no segundo turno.
Levei um susto quando vi as fotos do dinheiro espalhadas na televisão. Voltei para trás. Será que estou em 2006 ou em 1970? Chile ou Brasil? Muito importante para a análise dos fatos e do período eleitoral que vivemos no Brasil é conhecer em que consiste o que podemos chamar da "quarta pata" do processo de Guerra Psicológica, dentro da Doutrina da Guerra de Baixa Intensidade. Esta consiste na utilização política de pesquisas de opinião e também de pesquisas eleitorais. Não estou falando da minha cabeça não. Documentos sobre a Doutrina da Guerra de Baixa Intensidade, na qual está incluída a chamada "Guerra Psicológica" como parte do processo de intervenção em eleições, no nosso caso na América Latina, estão abertos ao público e se encontram em bibliotecas de grandes universidades norte-americanas. Gostaria de encorajar todos os leitores a pesquisar estes documentos assim como as eleições passadas em outros países, que já mencionei, em momentos históricos em que estava em jogo dois projetos políticos claros: Um de interesse dos Estados Unidos e outro popular, visto pelos Estados Unidos como altamente perigoso para seus interesses. Principalmente na América Latina a história está cheia destes exemplos. Na época atual a intervenção é mais sutil, através do controle dos meios de comunicação e de formação de opinião pública. Mas, certamente me podem dizer com dúvidas, trata-se de pesquisas com alto nível científico. Claro que elas têm um alto nível científico. Por isso mesmo são eficazes, responderia eu a esta dúvida. Se não fossem vistas pelo público em geral como altamente cientificas e isentas , não teriam suficiente grau de credibilidade. Credibilidade pública, é essencial para que sejam instrumentos úteis na luta política para transformar a realidade e mudar um quadro político desfavorável.
Neste ponto gostaria de lembrar duas famosas frases. A primeira foi pronunciada pelo político, grande raposa mineira, Tancredo Neves: "Na política não importam os fatos. O que importa é a interpretação dos fatos". Este é, na realidade, o lema dos cientistas políticos e assessores de campanhas eleitorais pelo mundo a fora. A segunda frase que cabe lembrar, foi pronunciada por um professor de estatística que tive no MIT, considerado um dos mais importantes professores e estatísticos do mundo. Ele abriu seu curso de "Estatística para as Ciências Sociais" com um comentário que jamais esqueci e que me formou enquanto cientista política, ciente do que representa a "ciência exata" das estatísticas em ciências sociais: "Lembrem-se sempre, vocês, que vão aprender os segredos da estatística. A estatística não é uma ciência exata, como a matemática ou física, apesar do que dizemos todos. O importante é saber que a estatística é o que o estatístico INCLUI OU EXCLUI de suas análises e perguntas". Por outra, depende da interpretação dos fatos, como Tancredo Neves tão bem falou apesar de não ser um famoso professor de estatística do MIT. Portanto, a "ciência exata" das pesquisas de opinião e das pesquisas eleitorais são também fruto de interpretação e do que se incluiu ou excluiu de consideração. O que quer dizer que são úteis para a manipulação política. Muito úteis. Tanto mais porque são altamente consideradas e gozam de um alto grau de credibilidade pública. Aliás, no meio de ciências políticas, naturalmente "off the record", se fala abertamente que as pesquisas eleitorais "fazem" os resultados eleitorais. Guerra Psicológica. O povo gosta de votar em cavalo que está ganhando a corrida. Em cavalo manco ninguém aposta.
Então, em conclusão, o quadro grave que se pode formar é a manipulação das pesquisas para que os dois candidatos fiquem primeiro muito longe, depois vão chegando mais pertinho, mais pertinho, mais pertinho.... até que se forma o famoso "empate técnico". Fundamental o "empate técnico". Por quê? Porque neste quadro de expectativa popular de "empate técnico" tudo pode acontecer. Não é necessário recorrer a exemplos de nossos pobres países latino-americanos para demonstrar isso. Basta pedir aos leitores que analisem o que aconteceu no próprio centro do império. Nos Estados Unidos com a primeira eleição de Bush , na Florida. Irregularidades tantas que causou um verdadeiro escândalo no país supostamente "mais democrático do mundo". Mas, devido ao "empate técnico" das pesquisas de opinião e das pesquisas eleitorais, que ninguém ousava desqualificar. O próprio Partido Democrata desistiu de questionar os resultados da eleição para Presidente, e Bush ganhou de maneira altamente suspeita e levou porque a opinião formada de que era tão pertinho a corrida que "poderia ser." O difícil é provar que tudo foi manipulado.
O exemplo mais recente que gostaria de ressaltar é o do México. O que aconteceu nas eleições do México, no dia 2 de julho de 2006? Os dois principais candidatos representavam projetos diametralmente opostos. Um, Felipe Calderón Hinojosa, do Partido de Acción Nacional (PAN), representava a continuidade da política conservadora do que era Presidente, Vicente Fox, e de seu aliado dos Estados Unidos, George Bush. O outro, López Obrador, do Partido de la Revolución Democrática (PRD), representava uma mudança drástica na política Mexicana, talvez histórica, de socialismo democrático e de governo popular apoiado em amplos movimentos sociais. As pesquisas de opinião e eleitorais oscilaram tremendamente, ora dando vitória a um candidato , ora dando vitória a outro. O candidato das forças populares, López Obrador, esteve na frente por pouquíssimos pontos, no final da campanha. Dentro da famosa "área de erro" , ou seja, os tão falados "dois pontos para mais ou para menos". Quando, ao final, o candidato conservador Felipe Calderón ganhou as eleições com uma diferença mínima de 0,58% dos votos válidos (Calderón teve 35,89% dos votos e López Obrador teve 35,31% dos votos). Como tudo estava já "dentro da margem de erro" foi muito difícil exigir que se contasse novamente os votos apesar das inúmeras amostras de irregularidades nas eleições. E López Obrador partiu para a luta pela recontagem dos votos, colocando o povo na rua. Hoje o México está imerso em uma das maiores crises político-institucionais de sua história recente. Um Presidente, que foi declarado eleito pelo Tribunal Superior Eleitoral, e outro "Presidente", considerado pelas massas populares, como o verdadeiro Presidente "de fato". E o que assumiu legalmente como Presidente está virtualmente impedido de governar, não tendo a mínima legitimidade exigida por um processo eleitoral limpo e claro.
Porque enfatizo neste artigo o caso do México? Que tem a ver com a nossa situação política atual no Brasil? Tem a ver e muito. Se as pesquisas de opinião começarem a oscilar, cada vez com menos pontos entre os candidatos Lula e Alkmin, temos formado um quadro potencialmente perigoso com a opinião pública formada para um "empate técnico". E , neste caso de "empate técnico", a possibilidade de fraude eleitoral é enorme. Diria que a possibilidade de fraude eletrônica fica difícil de resistir.
Senão vejamos: O nosso sistema de urnas eletrônicas é altamente frágil, apesar do que podem nos assegurar os grandes especialistas em informática. Existem tantos pontos de fragilidade e tanta dificuldade para que os partidos possam fiscalizar os resultados que realmente é preocupante. Antes de escrever este artigo conversei com vários especialistas em informática e de segurança das urnas eletrônicas. Perguntei o que uma cientista política pergunta, não me importando com os detalhes da informática. Por exemplo: Como é feita a inserção do disquete de sistema, a principal segurança de cada urna, que grava tudo que acontece nela desde o momento que é ligada. É chamado de "carga da urna" , o "log do sistema da urna", o "Flash Card" em que o disquete com o sistema é inserido na urna e lacrado na presença de fiscais dos partidos políticos que assinam o lacre e a ata. Excelente. O problema é que isto é feito em centenas de locais centrais, e dificilmente todos os partidos têm fiscais capacitados em informática suficientes para averiguar se o disquete que está sendo inserido realmente corresponde ao do sistema de carga. Ainda assim existem outras fragilidades: A inserção do sistema e o lacre das urnas é feito em todo o Brasil na véspera do dia das eleições. As urnas passam a noite nos locais centrais aonde foi feito o lacre, guardadas por funcionários dos Tribunais Regionais Eleitorais, da Polícia Militar e até, em alguns casos, do Exército. No dia seguinte, depois de lacrada cada urna com seu "Flash Card", e assinado o lacre pelos fiscais e autoridades presentes, as urnas são distribuídas pelas diferentes seções eleitorais dos diferentes municípios do Brasil.
Vejamos os números. De acordo com dados do IBGE de 2004, o Brasil tem 5.560 municípios. O Brasil tem ao todo 125.913.479 eleitores, ou seja, quase 126 milhões de eleitores. No primeiro turno da eleição presidencial do dia primeiro de outubro de 2006, de acordo com dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral, foram apurados um total de 125.912.656 votos, representando um total de 95.996.733 votos válidos (91,5%), 2.866.205 (2,75%) de votos brancos e 5.957.207 (5,68%) de votos nulos. Todos estes votos foram digitados em 361.431 urnas eletrônicas, previamente lacradas (vejam site do TSE do Brasil).
De acordo com especialistas em fiscalização dos partidos, com quem conversei, aqui começam os problemas. Primeiro, como mencionei, existe o problema de falta de fiscais devidamente capacitados em informática para a verificação dos "Flash Cards" antes de sua colocação nas urnas eletrônicas. Além do mais, como enfatizaram, ninguém pode na verdade garantir que os lacres não podem ser rompidos, substituídos depois por outros iguais, dando margem a que os "Flash Cards" de controle sejam mudados. Toda a segurança neste caso depende da lealdade e honestidade dos funcionários do Tribunal Superior Eleitoral pelo Brasil a fora que ficam guardando as urnas eletrônicas na noite da véspera das eleições, isto é, depois de que são lacradas e antes de que sejam transportadas para as 361.431 seções eleitorais em todo o território brasileiro. Outra etapa é a transferência do disquete com os dados digitados em cada urna, isto é, os votos digitados, para os locais centrais dos TRE (Tribunal Regional Eleitoral) dos estados da federação. Perguntei então, como se asseguram de que estes disquetes contendo os dados não são trocados no caminho da central de informação aonde todos os dados de todas as seções serão computados em cada estado? Novamente o mais importante aí é a honestidade dos funcionários que manejam os disquetes e os transportam, com escolta militar ou da polícia militar.
Para poder fiscalizar e ter certeza de que realmente os votos de cada urna serão os mesmos que estarão sendo computados na central do Tribunal Regional Eleitoral, cada urna imprime um boletim com o total de votos de cada candidato naquela urna. Este é o único documento impresso que dispomos no Brasil. O chamado Boletim de Urna.
Para facilitar a fiscalização dos partidos políticos, depois de muito debate e consultas ao Tribunal Superior Eleitoral, uma resolução do TSE foi passada recentemente. A Resolução 22.332 do TSE, do dia 29 de junho de 2006, foi feita em resposta a uma consulta do PDT, consulta número 7.796 de 2006. Esta resolução do TSE determina a impressão de até 10 Boletins de Urna (BU) por seção eleitoral, que são destinados aos partidos políticos e coligações. Com a posse deste documento impresso de cada urna os partidos políticos podem comparar os dados impressos aos que foram digitados e constam dos Relatórios da Totalização, feitos nos TREs dos estados. Isso é muito bom. Na prática porém, existe uma enorme dificuldade dos partidos políticos, que dispõem de pouco pessoal especializado e devidamente capacitado, para realizar este trabalho de comprovação. Isto em um tempo absurdamente pequeno. Pela legislação em vigor no Brasil atualmente os partidos políticos dispõem de somente três dias para questionar dados antes do anúncio final dos resultados das eleições feito pelo Tribunal Superior Eleitoral. Portanto são enormes as dificuldades dos partidos políticos para fiscalizar mediante a comparação dos BU de cada seção eleitoral com os dados digitados no cômputo final dos TREs.
Não dispomos de nenhuma outra maneira de rastrear votos baseada em provas materiais. Não existem votos impressos, apenas digitais. No caso de uma disputa tão acirrada, e muito questionada, a questão de possibilidade de fraude eletrônica é profundamente preocupante.
Todos queremos uma democracia sólida, estável, baseada na legitimidade e veracidade dos votos dos eleitores. Devemos pensar melhor em como suplantar estas falhas e dificuldades, como aprimorar nosso sistema eleitoral eletrônico para que nunca tenhamos uma situação como a do México.
A autora é escritora e conferencista internacional. Com mestrado e doutorado em Ciência Política, do MIT, seu mais importante livro State and Opposition in Military Brazil (Texas University Press, 1984), publicado no Brasil em 1985 pela Editora Vozes, e re-editado em 2004 pela EDUSC, de São Paulo, com o título de Estado e Oposição no Brasil (1964-1984), é considerado um clássico da história do Brasil neste período. Maria Helena Moreira Alves é também autora de mais de 30 artigos sobre a América Latina publicados em revistas especializadas dos Estados Unidos e Europa.
Quem viveu no Chile na época da eleição do Allende, ou conhece bem a história do Chile, deve estar sentindo, como eu, uma sensação de "dejá vu". Pois é. Eu já vi este filme. Durante a campanha para Presidente no Chile, em 1970, praticamente todos os meios de comunicação falavam que Salvador Allende, o candidato da Unidad Popular - coligação de partidos de esquerda - iria dividir o país entre ricos e pobres, iria exilar os mais ricos, expropriar toda a propriedade privada da classe média, inclusive suas casas e apartamentos em Santiago, e levaria o país ao caos comunista. Também disseram, sem cessar, que Allende era alcoólico, e profundamente corrupto.
Os jornais, rádios e a televisão mostravam pilhas de dinheiro que supostamente roubado pelo Allende e seus assessores. Pelas escolas do Chile foram mostrados filmes com crianças sendo levadas à força para a União Soviética. Assustaram a classe média, mas com isso tudo, não adiantou nada. Allende venceu a eleição no dia 4 de Setembro de 1970. Mas, como ganhou com muito pouca diferença, de acordo com a legislação chilena na época, o Congresso Nacional deveria votar para decidir qual dos dois candidatos mais votados seria o Presidente. Foi então que aconteceu o impensável. René Schneider, Comandante em Chefe das Forças Armadas, e defensor da Constituição do Chile, foi emboscado por um grupo de homens armados no dia 24 de outubro de 1970. Levou mais de 15 tiros. Morreu dois dias depois no Hospital Militar de Santiago. A imprensa inteira colocou a culpa no Allende e seus aliados. A crise quase levou o Congresso a não referendar sua posse como Presidente da República. Mas, afinal, foi descoberto que tudo tinha sido armado pela CIA dos Estados Unidos que financiou um grupo de extrema direita, da Patria y Libertad, para realizar o atentado. E o Congresso aprovou a posse de Allende.
Muitos anos mais tarde, com a desclassificação de documentos secretos da CIA, ficou amplamente comprovado que também a campanha da imprensa tinha sido orquestrada e financiada pela CIA. Inclusive com notas e artigos diretamente preparados por seus agentes e "implantados" na imprensa, em jornais prestigiosos e, supostamente, "independentes e neutros" como o El Mercurio. E os "fatos", tão explorados na época, como o seqüestro de crianças para serem enviadas à União Soviética, e as pilhas de dinheiro roubadas pelos aliados de Allende, tinham sido montagens elaboradas nos gabinetes da CIA.
Henry Kissinger, então Secretário de Estado dos Estados Unidos, declarou abertamente que os Estados Unidos não poderiam deixar um país como o Chile se transformar em território comunista só porque "o povo irresponsável tinha votado majoritariamente em um Presidente socialista." E, declarou Kissinger, "uma revolução de pele escura" não podia florescer pelo perigo que representava o caminho para o socialismo pelo voto. Não pelo Chile, pequeno e pouco importante país dentro dos esquemas de controle imperial, mas sim, como falou abertamente Kissinger, durante uma conferência em MIT, à qual assisti pessoalmente, "pelo exemplo que seria para outros países, entre os quais a França e a Itália."
Espero que ninguém seja assassinado no Brasil para que joguem a culpa no Lula. E acho que não chegariam ao ponto de mostrar filmes de criancinhas sendo mandadas quem sabe para onde hoje em dia. Aliás, fica difícil para eles, já que a União Soviética deixou de existir. Mas nem por isso os Estados Unidos deixam de se meter nas eleições em outros países. O George Bush declarou que o "Eixo do Mal" na América Latina está entre Cuba, Venezuela, Argentina e o Brasil. Agora adicionaram a Bolívia a este "Eixo do Mal". A reeleição do Lula para Presidente da República tem um significado importante na luta pelo controle regional da América Latina. A destruição do caminho de integração regional latino-americana, em contraposição ao ALCA, ou aos tratados bi-laterais (TLC), nos quais os Estados Unidos têm clara vantagem comercial, é importante item na agenda da política externa norte-americana. Que não se enganem os que pensam que Bush está por demais ocupado no Iraque para pensar na América Latina. Hugo Chavez o tem desafiado. E, o Lula também. Afinal, o Brasil, durante o governo do Lula, foi chave na formação de um grupo internacional de países aliados contra os interesses dos Estados Unidos na ONU e, principalmente, na Organização Mundial do Comércio. E este grupo, o chamado "Grupo dos 20", chateou a tal ponto que afinal as negociações na OMC foram deixadas de lado, sine die. Poderíamos dizer, sine die não, apenas até que pudessem derrotar politicamente os que ousavam enfrentar os países dominantes com propostas de comércio que favoreciam os países mais pobres.
Então, que quero dizer com a idéia de que os Estados Unidos estão se metendo nas eleições do Brasil? Não é a toa que estudei tanto no MIT ciências políticas. Justamente nos anos da intervenção norte-americana no Chile, na República Dominicana, na Guatemala, em Granada, depois na Nicarágua e El Salvador. Nestes tempos, como estava "entre amigos" no MIT, tive acesso a muitos documentos importantes e de estratégia política eleitoral. Uma das propostas estratégicas, hoje amplamente empregada em vários países da América Latina, tem o nome de "Guerra de Baixa Intensidade", doutrina de controle político-militar que inclui a chamada "Guerra Psicológica". Foi usada primeiro no Chile, não somente em 1970, mas principalmente depois que Allende tomou posse como Presidente, para tentar barrar o crescimento dos partidos da Unidad Popular no Congresso, em 1973. A estratégia política consiste em quatro partes:
1. A desconstrução da imagem do político que pretendem derrotar. Isso quer dizer, na prática, a destruição pública de tudo que a pessoa representa. Deve ser apresentado como corrupto, rodeado de assessores que desviam dinheiro público e se apropriam de propriedades do Estado. Também, ensina a doutrina, deve ser enfatizado que o político a ser "desconstruído" representa enorme perigo politicamente para seu país e até para o mundo. Deve ser destruído pessoalmente com campanhas que o mostrem como fraco, como bêbado e até como traidor de mulheres. No caso do Allende chegaram a forjar uma foto falsa, estampada em jornais, do Presidente "transando" com sua secretaria no chão do Palácio da Moneda. Novamente, espero que nossa Primeira Dama Marisa não venha a sofrer tanta humilhação como a pobre esposa de Salvador Allende, Hortensia Bussi de Allende, sofreu. Pedimos aos leitores, se não acreditam no que estou falando, que dêem uma olhada na internet na extensa bibliografia sobre esta época do governo de Salvador Allende no Chile e também nos documentos secretos agora desclassificados da CIA. Leitura informativa que também mostrará casos muito semelhantes na República Dominicana, e na Nicarágua, quando da eleição que pôs fim na Revolução Sandinista com a vitória de Violeta Chamorro nas eleições de Presidente de 1990. Podem ver também eventos mais recentes na mesma Nicarágua, novamente "ameaçada " com a possível vitória eleitoral de Daniel Ortega, ou na Venezuela com tudo que fizeram, e fazem ainda, para derrubar o incômodo Hugo Chavez. Casos claros de "desconstrução" de políticos que são considerados "não-desejáveis" por Washington.
2. Na estratégia política chamada de "Guerra Psicológica" se usa a imprensa e outros meios de comunicação. Todos sabemos que na verdade não existe a tão laureada e aclamada "imprensa livre e independente" no mundo atual. Se é que algum dia existiu. Todos os meios de comunicação são empresas particulares, algumas delas são gigantescos monopólios pertencentes a uma só família. O caso do El Mercurio do Chile, da família de Agustín Edwards, do jornal La Prensa, da família Chamorro na Nicarágua, e da nossa tupiniquim Organizações Globo (radio, TV e jornais), da família Marinho. Controle familiar também é a regra no O Estado de São Paulo, da Folha de São Paulo. E muitos outros veículos da imprensa escrita. No caso das rádios e televisões locais quase todas são fruto de concessões entregadas pelo Estado. No Brasil a maioria pertencem a poderosas famílias políticas que as usam abertamente para defender seus interesses. Na chamada "grande imprensa internacional" as influentes NBC, CBS e CNN norte-americanas são multinacionais e quatro outras grandes multinacionais de comunicações dominam o conhecimento do mundo. Sendo particulares, naturalmente atendem aos interesses individuais de seus donos, ou , no caso das empresas multinacionais, das classes dominantes dos seus países. Não podemos esperar que sejam "independentes e neutras", que realmente mostrem os "dois lados da história" e que apóiem posições políticas que podem ser prejudiciais aos seus interesses econômicos.
Portanto, a estratégia de "desconstrução" é altamente eficaz. "Guerra Psicológica" é o termo usado em ciências políticas e nos documentos politico-militares dos Estados Unidos que se referem à Guerra de Baixa Intensidade.
3. A Guerra Psicológica também envolve a criação de "fatos novos". Cria-se um fato novo, como o caso do assassinato do General René Schneider no Chile, ou até, para lembrar aos leitores, o caso do seqüestro do empresário Abílio Diniz no Brasil. E a culpa é colocada, novamente utilizando todos os meios de divulgação das notícias, no político ou nos partidos aliados inimigos. No caso do Abílio Diniz, em 1989, a culpa foi colocada no PT. Até bandeiras vermelhas e panfletos da campanha de Lula para Presidente estavam espalhadas pelo esconderijo do empresário e foram "encontradas" e expostas em todos os meios de comunicação dias antes da eleição presidencial. Não importa que depois se tenha descoberto que o seqüestro foi planejado e levado a cabo por um grupo de chilenos do MIR que pensavam angariar fundos. As eleições já tinham passado e Lula foi derrotado, com muita influencia do escândalo feito na imprensa com o seqüestro do empresário. Os verdadeiros responsáveis pelo seqüestro foram presos, mas o fato foi muito pouco divulgado.
Nos dias atuais, o famoso "dossiê" contra candidatos do PSDB parece em realidade um fato construído propositadamente. Na minha opinião, foi brilhante da parte dos opositores do Lula. Afinal, se tudo foi preparado, contaram com ou a conivência ou, no mínimo, a estupidez dos próprios apoiadores do Lula. Golpe de Mestre. Tiro no pé, no mínimo. Mas, se mais tarde, for revelado ao público que nem tudo era como parecia, não importa. Afinal, será depois das eleições que se descobrirá a verdade. Se for antes então falham, como no caso do assassinato do René Schneider. No nosso caso, hoje, ainda antes do segundo turno, já está transparecendo que essa história do "dossiê" está mais complicada do que parecia. Hoje já está claro que o Gedimar Passos, que foi preso com o dinheiro da suposta compra do dossiê, não é nada filiado ao PT. Ainda mais, de acordo com seu testemunho na Policia Federal e sua defesa apresentada ao Superior Tribunal Eleitoral. Nem conhecia o Freud Godoy, assessor do Lula que a imprensa queimou tanto. E Gedimar Passos ainda afirma em depoimento ao Supremo Tribunal Eleitoral, na representação entregue dia 10 de outubro de 2006 no TSE, que o Freud Godoy, que foi chave, por ser assessor direto do Lula, não tinha nenhuma vinculação com a suposta compra do dossiê. Não importam os fatos. Como diria Tancredo Neves, o que importa é a interpretação dos fatos que foi dada por toda a imprensa escrita e eletrônica. E, no caso, o efeito desejado foi alcançado. O Lula não ganhou no primeiro turno e o quadro está armado para a verdadeira "desconstrução" visando a vitória no segundo turno.
Levei um susto quando vi as fotos do dinheiro espalhadas na televisão. Voltei para trás. Será que estou em 2006 ou em 1970? Chile ou Brasil? Muito importante para a análise dos fatos e do período eleitoral que vivemos no Brasil é conhecer em que consiste o que podemos chamar da "quarta pata" do processo de Guerra Psicológica, dentro da Doutrina da Guerra de Baixa Intensidade. Esta consiste na utilização política de pesquisas de opinião e também de pesquisas eleitorais. Não estou falando da minha cabeça não. Documentos sobre a Doutrina da Guerra de Baixa Intensidade, na qual está incluída a chamada "Guerra Psicológica" como parte do processo de intervenção em eleições, no nosso caso na América Latina, estão abertos ao público e se encontram em bibliotecas de grandes universidades norte-americanas. Gostaria de encorajar todos os leitores a pesquisar estes documentos assim como as eleições passadas em outros países, que já mencionei, em momentos históricos em que estava em jogo dois projetos políticos claros: Um de interesse dos Estados Unidos e outro popular, visto pelos Estados Unidos como altamente perigoso para seus interesses. Principalmente na América Latina a história está cheia destes exemplos. Na época atual a intervenção é mais sutil, através do controle dos meios de comunicação e de formação de opinião pública. Mas, certamente me podem dizer com dúvidas, trata-se de pesquisas com alto nível científico. Claro que elas têm um alto nível científico. Por isso mesmo são eficazes, responderia eu a esta dúvida. Se não fossem vistas pelo público em geral como altamente cientificas e isentas , não teriam suficiente grau de credibilidade. Credibilidade pública, é essencial para que sejam instrumentos úteis na luta política para transformar a realidade e mudar um quadro político desfavorável.
Neste ponto gostaria de lembrar duas famosas frases. A primeira foi pronunciada pelo político, grande raposa mineira, Tancredo Neves: "Na política não importam os fatos. O que importa é a interpretação dos fatos". Este é, na realidade, o lema dos cientistas políticos e assessores de campanhas eleitorais pelo mundo a fora. A segunda frase que cabe lembrar, foi pronunciada por um professor de estatística que tive no MIT, considerado um dos mais importantes professores e estatísticos do mundo. Ele abriu seu curso de "Estatística para as Ciências Sociais" com um comentário que jamais esqueci e que me formou enquanto cientista política, ciente do que representa a "ciência exata" das estatísticas em ciências sociais: "Lembrem-se sempre, vocês, que vão aprender os segredos da estatística. A estatística não é uma ciência exata, como a matemática ou física, apesar do que dizemos todos. O importante é saber que a estatística é o que o estatístico INCLUI OU EXCLUI de suas análises e perguntas". Por outra, depende da interpretação dos fatos, como Tancredo Neves tão bem falou apesar de não ser um famoso professor de estatística do MIT. Portanto, a "ciência exata" das pesquisas de opinião e das pesquisas eleitorais são também fruto de interpretação e do que se incluiu ou excluiu de consideração. O que quer dizer que são úteis para a manipulação política. Muito úteis. Tanto mais porque são altamente consideradas e gozam de um alto grau de credibilidade pública. Aliás, no meio de ciências políticas, naturalmente "off the record", se fala abertamente que as pesquisas eleitorais "fazem" os resultados eleitorais. Guerra Psicológica. O povo gosta de votar em cavalo que está ganhando a corrida. Em cavalo manco ninguém aposta.
Então, em conclusão, o quadro grave que se pode formar é a manipulação das pesquisas para que os dois candidatos fiquem primeiro muito longe, depois vão chegando mais pertinho, mais pertinho, mais pertinho.... até que se forma o famoso "empate técnico". Fundamental o "empate técnico". Por quê? Porque neste quadro de expectativa popular de "empate técnico" tudo pode acontecer. Não é necessário recorrer a exemplos de nossos pobres países latino-americanos para demonstrar isso. Basta pedir aos leitores que analisem o que aconteceu no próprio centro do império. Nos Estados Unidos com a primeira eleição de Bush , na Florida. Irregularidades tantas que causou um verdadeiro escândalo no país supostamente "mais democrático do mundo". Mas, devido ao "empate técnico" das pesquisas de opinião e das pesquisas eleitorais, que ninguém ousava desqualificar. O próprio Partido Democrata desistiu de questionar os resultados da eleição para Presidente, e Bush ganhou de maneira altamente suspeita e levou porque a opinião formada de que era tão pertinho a corrida que "poderia ser." O difícil é provar que tudo foi manipulado.
O exemplo mais recente que gostaria de ressaltar é o do México. O que aconteceu nas eleições do México, no dia 2 de julho de 2006? Os dois principais candidatos representavam projetos diametralmente opostos. Um, Felipe Calderón Hinojosa, do Partido de Acción Nacional (PAN), representava a continuidade da política conservadora do que era Presidente, Vicente Fox, e de seu aliado dos Estados Unidos, George Bush. O outro, López Obrador, do Partido de la Revolución Democrática (PRD), representava uma mudança drástica na política Mexicana, talvez histórica, de socialismo democrático e de governo popular apoiado em amplos movimentos sociais. As pesquisas de opinião e eleitorais oscilaram tremendamente, ora dando vitória a um candidato , ora dando vitória a outro. O candidato das forças populares, López Obrador, esteve na frente por pouquíssimos pontos, no final da campanha. Dentro da famosa "área de erro" , ou seja, os tão falados "dois pontos para mais ou para menos". Quando, ao final, o candidato conservador Felipe Calderón ganhou as eleições com uma diferença mínima de 0,58% dos votos válidos (Calderón teve 35,89% dos votos e López Obrador teve 35,31% dos votos). Como tudo estava já "dentro da margem de erro" foi muito difícil exigir que se contasse novamente os votos apesar das inúmeras amostras de irregularidades nas eleições. E López Obrador partiu para a luta pela recontagem dos votos, colocando o povo na rua. Hoje o México está imerso em uma das maiores crises político-institucionais de sua história recente. Um Presidente, que foi declarado eleito pelo Tribunal Superior Eleitoral, e outro "Presidente", considerado pelas massas populares, como o verdadeiro Presidente "de fato". E o que assumiu legalmente como Presidente está virtualmente impedido de governar, não tendo a mínima legitimidade exigida por um processo eleitoral limpo e claro.
Porque enfatizo neste artigo o caso do México? Que tem a ver com a nossa situação política atual no Brasil? Tem a ver e muito. Se as pesquisas de opinião começarem a oscilar, cada vez com menos pontos entre os candidatos Lula e Alkmin, temos formado um quadro potencialmente perigoso com a opinião pública formada para um "empate técnico". E , neste caso de "empate técnico", a possibilidade de fraude eleitoral é enorme. Diria que a possibilidade de fraude eletrônica fica difícil de resistir.
Senão vejamos: O nosso sistema de urnas eletrônicas é altamente frágil, apesar do que podem nos assegurar os grandes especialistas em informática. Existem tantos pontos de fragilidade e tanta dificuldade para que os partidos possam fiscalizar os resultados que realmente é preocupante. Antes de escrever este artigo conversei com vários especialistas em informática e de segurança das urnas eletrônicas. Perguntei o que uma cientista política pergunta, não me importando com os detalhes da informática. Por exemplo: Como é feita a inserção do disquete de sistema, a principal segurança de cada urna, que grava tudo que acontece nela desde o momento que é ligada. É chamado de "carga da urna" , o "log do sistema da urna", o "Flash Card" em que o disquete com o sistema é inserido na urna e lacrado na presença de fiscais dos partidos políticos que assinam o lacre e a ata. Excelente. O problema é que isto é feito em centenas de locais centrais, e dificilmente todos os partidos têm fiscais capacitados em informática suficientes para averiguar se o disquete que está sendo inserido realmente corresponde ao do sistema de carga. Ainda assim existem outras fragilidades: A inserção do sistema e o lacre das urnas é feito em todo o Brasil na véspera do dia das eleições. As urnas passam a noite nos locais centrais aonde foi feito o lacre, guardadas por funcionários dos Tribunais Regionais Eleitorais, da Polícia Militar e até, em alguns casos, do Exército. No dia seguinte, depois de lacrada cada urna com seu "Flash Card", e assinado o lacre pelos fiscais e autoridades presentes, as urnas são distribuídas pelas diferentes seções eleitorais dos diferentes municípios do Brasil.
Vejamos os números. De acordo com dados do IBGE de 2004, o Brasil tem 5.560 municípios. O Brasil tem ao todo 125.913.479 eleitores, ou seja, quase 126 milhões de eleitores. No primeiro turno da eleição presidencial do dia primeiro de outubro de 2006, de acordo com dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral, foram apurados um total de 125.912.656 votos, representando um total de 95.996.733 votos válidos (91,5%), 2.866.205 (2,75%) de votos brancos e 5.957.207 (5,68%) de votos nulos. Todos estes votos foram digitados em 361.431 urnas eletrônicas, previamente lacradas (vejam site do TSE do Brasil).
De acordo com especialistas em fiscalização dos partidos, com quem conversei, aqui começam os problemas. Primeiro, como mencionei, existe o problema de falta de fiscais devidamente capacitados em informática para a verificação dos "Flash Cards" antes de sua colocação nas urnas eletrônicas. Além do mais, como enfatizaram, ninguém pode na verdade garantir que os lacres não podem ser rompidos, substituídos depois por outros iguais, dando margem a que os "Flash Cards" de controle sejam mudados. Toda a segurança neste caso depende da lealdade e honestidade dos funcionários do Tribunal Superior Eleitoral pelo Brasil a fora que ficam guardando as urnas eletrônicas na noite da véspera das eleições, isto é, depois de que são lacradas e antes de que sejam transportadas para as 361.431 seções eleitorais em todo o território brasileiro. Outra etapa é a transferência do disquete com os dados digitados em cada urna, isto é, os votos digitados, para os locais centrais dos TRE (Tribunal Regional Eleitoral) dos estados da federação. Perguntei então, como se asseguram de que estes disquetes contendo os dados não são trocados no caminho da central de informação aonde todos os dados de todas as seções serão computados em cada estado? Novamente o mais importante aí é a honestidade dos funcionários que manejam os disquetes e os transportam, com escolta militar ou da polícia militar.
Para poder fiscalizar e ter certeza de que realmente os votos de cada urna serão os mesmos que estarão sendo computados na central do Tribunal Regional Eleitoral, cada urna imprime um boletim com o total de votos de cada candidato naquela urna. Este é o único documento impresso que dispomos no Brasil. O chamado Boletim de Urna.
Para facilitar a fiscalização dos partidos políticos, depois de muito debate e consultas ao Tribunal Superior Eleitoral, uma resolução do TSE foi passada recentemente. A Resolução 22.332 do TSE, do dia 29 de junho de 2006, foi feita em resposta a uma consulta do PDT, consulta número 7.796 de 2006. Esta resolução do TSE determina a impressão de até 10 Boletins de Urna (BU) por seção eleitoral, que são destinados aos partidos políticos e coligações. Com a posse deste documento impresso de cada urna os partidos políticos podem comparar os dados impressos aos que foram digitados e constam dos Relatórios da Totalização, feitos nos TREs dos estados. Isso é muito bom. Na prática porém, existe uma enorme dificuldade dos partidos políticos, que dispõem de pouco pessoal especializado e devidamente capacitado, para realizar este trabalho de comprovação. Isto em um tempo absurdamente pequeno. Pela legislação em vigor no Brasil atualmente os partidos políticos dispõem de somente três dias para questionar dados antes do anúncio final dos resultados das eleições feito pelo Tribunal Superior Eleitoral. Portanto são enormes as dificuldades dos partidos políticos para fiscalizar mediante a comparação dos BU de cada seção eleitoral com os dados digitados no cômputo final dos TREs.
Não dispomos de nenhuma outra maneira de rastrear votos baseada em provas materiais. Não existem votos impressos, apenas digitais. No caso de uma disputa tão acirrada, e muito questionada, a questão de possibilidade de fraude eletrônica é profundamente preocupante.
Todos queremos uma democracia sólida, estável, baseada na legitimidade e veracidade dos votos dos eleitores. Devemos pensar melhor em como suplantar estas falhas e dificuldades, como aprimorar nosso sistema eleitoral eletrônico para que nunca tenhamos uma situação como a do México.
Um comentário:
Excelentes comentários e evolução política, relatou sobre vários dados ao mesmo tempo, de um modo simples e profundo ao mesmo tempo.
Daiani
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