“Dona de um estilo político duro, aristocrático e em nada carismático, a tucana vive um misto de inferno pessoal e administrativo em que se incluem dívidas estaduais impagáveis, atrasos no pagamento de salários dos servidores, popularidade em franca queda, dependência de uma bancada governista para lá de suspeita e, agora, uma CPI capaz de enlamear os portais do Palácio Piratini”. Clique AQUI para ler mais.
Política Carta Capital
Leandro Fortes, de Porto Alegre
A via-crúcis de Yeda
09/05/2008
A vida da governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius, do PSDB, não tem sido fácil. Dona de um estilo político duro, aristocrático e em nada carismático, a tucana vive um misto de inferno pessoal e administrativo em que se incluem dívidas estaduais impagáveis, atrasos no pagamento de salários de servidores, popularidade em franca queda, dependência de uma bancada governista para lá de suspeita e, agora, uma CPI capaz de enlamear os portais do Palácio Piratini, sede do governo gaúcho.
Até o fim de 2007, Yeda Crusius reclamava apenas de uma herança maldita dos governos anteriores do PT e do PMDB: a dívida estrutural do estado, origem de todos os problemas políticos enfrentados por ela até ali. Apenas com precatórios (títulos de dívidas judiciais do governo), o rombo do Rio Grande do Sul chega a quase 5 bilhões de reais. Isso porque, nos últimos dez anos, o estado conseguiu pagar menos de 400 milhões de reais – valor inferior à correção da dívida de um único ano.
Para enfrentar o problema, antes mesmo de tomar posse, a governadora anunciou um pacote com aumento de impostos e congelamento de salários, um tal “jeito novo de governar”, cantarolado na campanha de 2006, mas transformado em imensa dor de cabeça política para ela e o PSDB. Dois secretários estaduais renunciaram antes de assumir, o vice-governador, Paulo Afonso Feijó, do ex-PFL, foi para a oposição e, seis meses depois, 60% dos gaúchos desaprovavam o governo Yeda Crusius, segundo pesquisa do Instituto Dataulbra, da Universidade Luterana do Brasil.
Mas foi a Operação Rodin, da Polícia Federal, deflagrada em novembro do ano passado, que colocou o governo em outro patamar, o da corrupção endêmica. Trata-se de uma ação criminosa herdada da gestão anterior, do peemedebista Germano Rigotto, e aperfeiçoada no governo tucano, depois da nomeação, pela governadora, de Flávio Vaz Netto para o Departamento Estadual de Trânsito (Detran). Em vez de apurar e denunciar a bandalha instalada no órgão pela turma do PMDB, Netto, indicado pelo PP, decidiu se inserir e dominar o esquema. Acabou preso e indiciado, como os demais comparsas envolvidos nas fraudes.
A ação policial desmontou uma quadrilha ligada a fundações de apoio vinculadas à Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, para prática de diversos crimes, especialmente contra licitações, no Detran gaúcho. No rastro da operação, a oposição a ela, capitaneada pelo PT, emplacou a CPI do Detran e se apegou, sem provas, a uma denúncia de suposta utilização de 400 mil reais de sobras de campanha, por parte da governadora, para a compra mal explicada de uma casa num bairro nobre de Porto Alegre, logo depois das eleições de 2006.
No epicentro do esquema criminoso investigado pela PF está o empresário e lobista Lair Ferst, figurinha carimbada do PSDB gaúcho, apontado sem ressalvas, por gente do governo e da oposição, como principal operador da engrenagem de arrecadação de fundos da campanha tucana de 2006 no estado. Hoje, a luta de Yeda Crusius é basicamente descolar-se do nome e da má sina de Ferst, um dos 13 quadrilheiros presos na operação e figura proeminente entre os 39 indiciados pela Polícia Federal.
Na base do escândalo estão a Fundação de Apoio à Tecnologia e Ciência (Fatec) e a Fundação Educacional e Cultural para o Desenvolvimento e o Aperfeiçoamento da Educação e da Cultura (Fundae), ambas da Universidade Federal de Santa Maria. A fraude, de acordo com as investigações da PF, do Ministério Público Federal e do Ministério Especial do Tribunal de Contas do Estado (TCE), pode ter custado 40 milhões de reais aos cofres públicos do Rio Grande do Sul. Para ajudar no caso, a Receita Federal e o Coaf, ligado ao Ministério da Fazenda, foram convocados para garantir acesso a sigilos fiscal e bancário dos indiciados até agora.
Até 2003, o Detran do Rio Grande do Sul realizava os exames práticos e teóricos de direção por meio de um contrato com a Fundação Carlos Chagas (FCC). Ao assumir, o então governador do estado Germano Rigotto nomeou como secretário de Segurança Pública o deputado federal José Otávio Germano, do PP, a quem o Detran ficou subordinado. O secretário Germano não abriu nova licitação e encerrou o contrato com a FCC. Nomeou, então, para o cargo de presidente do Detran um aliado, Carlos Ubiratan dos Santos, e para diretor-financeiro do órgão, Hermínio Gomes Junior. Ambos decidiram contratar, em caráter emergencial, a Fatec, embora houvesse tempo hábil para licitar o processo. Mais tarde, a Fundação acabou contratada sem licitação e tornou-se um quartel-general onde se planejavam os desvios de dinheiro e a distribuição de propinas entre os participantes das fraudes.
De acordo com a investigação da PF, a intermediação do contrato foi feita pelo então reitor da UFSM Paulo Jorge Sarkis, com a ajuda do lobista José Antônio Fernandes e do tucano Lair Ferst. Os delegados do inquérito não hesitam em colocar Ferst como o curinga de toda esta história, baseados nas informações apuradas pelos agentes federais, após seis meses de investigação, inclusive com a gravação de quase 20 mil horas feitas por escutas telefônicas autorizadas pela Justiça Federal de Santa Maria, no interior do estado.
Chamado de “companheiro” por Yeda Crusius, Ferst é também politicamente ligado a Carlos Ubiratan, ex-presidente do Detran. Ele é apontado como o responsável pela engenharia de subcontratações feitas pela Fatec, até o fim de 2007, junto a empresas de consultoria (designadas de “sistemistas”) formadas por parentes, correligionários e “laranjas”. Uma delas, a Newmark, tem como sócios Elci Terezinha Ferst, irmã de Lair, e o cunhado, Alfredo Pinto Telles. Outra, a Rio Del Sur, abriga duas irmãs do lobista tucano, Rosana Cristina Ferst e Cenira Maria Ferst Ferreira. Para a PF, Ferst é o verdadeiro dono das empresas.
Também por intermédio de Ferst, o outro lobista do esquema, José Antônio Fernandes, conseguiu emplacar entre as empresas “sistemistas” a Pensant Consultores, da qual é sócio com dois filhos, Ferdinando e Fernando Fernandes. A quarta subcontratada, a Carlos Rosa Advogados Associados, foi indicação direta de Ubiratan. Entre os sócios do escritório estão Carlos Dahlem da Rosa e Luiz Paulo Germano, conhecido como “Buti”, irmão do então secretário de Segurança Pública José Otávio Germano – a quem o Detran estava subordinado.
De acordo com o levantamento feito pela Polícia Federal, as quatro “sistemistas” subcontratadas pela Fatec receberam, juntas, 31 milhões de reais entre 2003 e 2006. Por meio da Fundação, acreditam os investigadores, estabeleceu-se um propinoduto fixado bem no meio das gestões de Germano Rigotto e Yeda Crusius, desvendado graças a uma denúncia anônima, feita no fim de 2007, no Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul, por um professor da universidade.
Ao se debruçar sobre as atividades de Ferst, a PF descobriu, ainda, que o lobista do PSDB gaúcho também agregou ao grupo criminoso a empresa NT Pereira, administrada por Patrícia Jonara dos Santos, mulher de – sempre ele – Carlos Ubiratan. Em 2006, a firma efetivou um empréstimo, sem garantias, ao mesmo Ubiratan, no valor de 500 mil reais. A operação, de acordo com a investigação policial, teria servido para lavar dinheiro desviado e, posteriormente, utilizado para o pagamento de propinas e formação de caixa 2.
O ex-reitor da UFSM Paulo Jorge Sarkis também conseguiu que uma empresa da família, montada em nome da mulher e dos filhos, acabasse subcontratada por uma das subcontratadas da Fatec, a Pensant, do lobista José Antônio Fernandes. Entre 2004 e 2005, a Sarkis Engenharia Estrutural recebeu da Pensant 74 mil reais por serviços de consultoria. A Polícia Federal investiga, ainda, a participação de outra empresa da família Sarkis, a World Travel Turismo, nas fraudes contra o Detran.
No início de 2007, o esquema sofreria uma ruptura importante com a mudança na reitoria da Universidade Federal de Santa Maria, mas também por conta dos riscos provocados pela alta exposição dos negócios de Ferst. Entre os tucanos temiam-se, com razão, futuros problemas políticos para a governadora. Arrumou-se, então, um detalhe técnico para tirar a Fatec da jogada. Sob o argumento de aumento nos custos da prestação de serviço, a fundação exigiu mais dinheiro do Detran.
O pedido foi indeferido pelo novo presidente do órgão, Flávio Vaz Netto, recém-nomeado por Yeda Crusius, e, exatamente um dia depois da decisão, a Fundae, também ligada à UFSM, foi contratada. Mas era só espuma. Imediatamente, a Fatec foi subcontratada para prestar parte dos serviços que fazia antes como cabeça do sistema, e com os mesmos executivos. Foi uma forma de manter a quadrilha unida e evitar ressentimentos capazes de expor os movimentos do bando.
Não adiantou muito. Indiciado pela PF, Vaz Netto não aceita ser responsabilizado sozinho pelos crimes e nem ser largado à própria sorte. Nos dias 7 e 14 de abril, ele enviou dois e-mails para o secretário de governo de Yeda Crusius, Delson Martini, com quem tentou marcar uma audiência por 15 dias, sem sucesso. Nas mensagens, interceptadas pela polícia, ele ameaça fazer um “retorno voluntário” à CPI, onde depôs logo depois de ser preso, para falar de “imputações” feitas a ele “cujos pontos são de inteiro conhecimento do governo”.
A mudança na rotina de fraudes e desvios no Detran ocorreu porque o novo reitor da UFSM, Clóvis Silva Lima, colocou-se contra a atuação das “sistemistas” e recusou-se a assinar documentos da Fatec, enquanto o esquema de Ferst não fosse desmontado. Por esta razão, Vaz Netto optou por contratar a Fundae, entidade sem ligações administrativas com a reitoria. Sem a Fatec, o lobista Fernandes, dono da Pensant, e Sarkis, ex-reitor da UFSM, perderam influência na quadrilha. Assim como Ubiratan, ao deixar o Detran. Iniciou-se, então, um movimento para afastar Ferst do esquema e deixar os contratos das “sistemistas” nas mãos apenas do novo presidente do Detran. O lobista, é claro, reagiu.
De acordo com informações levadas à CPI do Detran pela Polícia Federal, para sair do esquema, Ferst teria pedido 6% do faturamento mensal dos pagamentos feitos às empresas sistemistas, inclusive à Fatec, o equivalente a 120 mil reais mensais. O dinheiro seria entregue por Rubem Höher, coordenador do Projeto Detran junto à Fundae e sócio da Doctus, nova “sistemista” integrada ao esquema de prestação de serviços do órgão pela fundação, administrada pelo filho dele, Ricardo Höher. Ferst teria recebido os pagamentos por seis meses (720 mil reais), segundo depoimento de Rubem Höher à PF.
Sob o comando de Vaz Netto, o esquema fraudulento do Detran assumiu uma nova configuração. As empresas ligadas à Ferst (Newmark e Rio Del Sur) foram excluídas, mas no lugar delas entraram a Doctus (subcontratada pela Fatec), da família Höher, e a IGPL (subcontratada pela Fundae), também ligada ao lobista José Antônio Fernandes, o mesmo da Pensant. E mais: outro escritório de advocacia entrou na farra, o Nachtigall Advogados Associados, do qual é sócia Denise Nachtigall Luz, esposa de Ferdinando Fernandes – ele mesmo, filho de José Fernandes, da Pensant.
Como em uma disputa de máfias, a família Fernandes se sobrepôs ao poder da família Ferst no esquema de fraudes do Detran, a partir do segundo semestre de 2007. Isso porque, de um lado, a Pensant, conforme contrato firmado com a Fundae, passou a abocanhar 14% do faturamento da prestação de serviço no órgão (em torno de 2,5 milhões de reais por mês). De outro, aumentou a participação com o ingresso da IGPL e do escritório Nachtigall. As investigações tocadas pelo Ministério Público Especial do TCE, no entanto, obrigaram o Detran a rever essas contratações. À frente da autarquia, Vaz Netto fez novas adequações contratuais e realizou reuniões para tratar, também, de troca de linhas telefônicas por conta de uma preocupação flagrante com escutas.
Mais adiante, Vaz Netto optou, ainda, por se livrar da família Fernandes. Para tal, rescindiu os contratos com a IGPL e a Nachtingall, firmados pela Fatec (esta, é bom lembrar, subcontratada pela Fundae), mas permitiu a entrada de outra empresa, a Pakt. Curiosamente, a nova “sistemista” tinha como sócios quatro funcionários da Fatec – Luciana Carneiro, Marilei de Fátima Brandão Leal, Damiana Machado de Almeida e Fernando Osvaldo Oliveira Júnior. Mais estranho ainda, apurou a PF, é o fato de Luciana Carneiro ser secretária-executiva do Projeto Detran na Fatec e responsável pela proposta de rompimento do contrato com a IGPL. Na mesma investigação, a PF descobriu, por meio de interceptação de e-mails, o plano de contratação de outro escritório de advocacia, o Höher & Cioccari Advogados, da família Höher, dona da “sistemista” Doctus. Ou seja, a quadrilha criou uma espécie de rodízio criminoso para se perpetuar no esquema.
Em um dos momentos mais tensos da crise, na semana passada, o delegado Luiz Fernando Tubino, ex-chefe da Polícia Civil no governo do petista Olívio Dutra, depôs na CPI do Detran e acusou Yeda Crusius de ter recebido 400 mil reais de Ferst para comprar uma casa em Porto Alegre. O dinheiro seria sobra de campanha da eleição de 2006, arrecadado em esquema de caixa 2. Tubino, na verdade, verbalizou uma fofoca antiga nos meios políticos gaúchos. O delegado costuma atirar para todo lado. Ainda no governo do PT, ele chegou a acusar Dutra de se beneficiar com dinheiro da máfia do jogo do bicho no estado.
Assessor de imprensa da governadora tucana, o jornalista Paulo Fona não vê sentido algum na acusação de compra da casa. “Isso é uma politização absurda”, diz Fona. De fato, ele tem um argumento poderoso: um documento da Polícia Federal no qual é negada a existência de qualquer investigação sobre a casa da governadora. No papel, o superintendente da Polícia Federal no Rio Grande do Sul, Ildo Gasparetto, apoiado em ofícios dos delegados responsáveis pela Operação Rodin, Sérgio Busato e Gustavo Schneider, afirma desconhecer a origem das declarações feitas pelo delegado Tubino na CPI do Detran. Yeda Crusius, no entanto, ainda não se livrou da suspeita de ter se beneficiado com dinheiro de caixa 2 arrecadado pela quadrilha do Detran, base das acusações feitas pela oposição na CPI do Detran. A PF só analisou, até agora, 20% das escutas telefônicas autorizadas pela Justiça.
A informação do delegado sobre a casa de Yeda Crusius ganhou força por agradar a oposição, mas também por conta de um acontecimento paralelo. No mesmo dia do depoimento de Tubino, o secretário estadual de Planejamento e Gestão, Ariosto Culau, foi flagrado por repórteres do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, enquanto tomava chope em um shopping com Ferst. Segundo diálogo reproduzido pelo jornal, Culau foi ao lobista para acalmar e dar apoio ao aliado tucano. O secretário foi demitido. Para o presidente da CPI do Detran, o deputado estadual Fabiano Pereira (PT), a intenção era mesmo a de manter Ferst sob controle. “Foi um deboche”, afirma.
Fabiano Pereira também não está numa cruzada fácil. Dos 55 deputados da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, 35 votam com Yeda Crusius. A base governista é formada por parlamentares do PSDB, PTB, PP e PMDB. A oposição conta uma base flutuante de 19 a 20 deputados, a depender do tema de votação, porque um dos parlamentares, do PDT, costuma fechar também com o governo estadual. E há três deputados do ex-PFL, ligados ao vice-governador, instados a votar, eventualmente, contra a governadora. É uma confusão e tanto.
Na CPI, o equilíbrio de forças também é precário. Dos 12 integrantes, cinco estão, normalmente, com a oposição, e sete com o governo. Mas quando há empate, vale o voto de Minerva do presidente da comissão, que é do PT. Não tem sido fácil, portanto, vencer os governistas. Por duas vezes, o plenário da CPI refutou a tentativa do deputado Fabiano Pereira de prorrogar os trabalhos da comissão. Sem essa prorrogação, dificilmente a oposição vai ter fôlego para dar conseqüência às denúncias do Detran. “Não queremos que isso seja uma guerra entre oposição e governo”, afirma Pereira. “Estamos divididos entre os que querem e os que não querem investigar o caso.”
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2 comentários:
Antes tarde do que nunca! :-)
o caso do Rio Grande do sul e fichinha perto do que é a corrupção do detran no Brasil, e uma organização criminosa desrespeitosa, disfarçada na legalidadedade, la dentro são todos corruptos ladrões , e falsários pk..
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