segunda-feira, setembro 24, 2007

O império da mentira e o jornalismo fraudulento


Reforma da mídia já! Ooops, desculpe-me! Esqueci que esse tema é um dogma. Pode ser legítimo o desejo de reformar o Judiciário, o Legislativo, até o Executivo, só não pode mexer com o poder absoluto, imperial da imprensa – por que aí já é “totalitarismo” e “censura”.

O título desse artigo foi extraído de um dos possíveis lemas e do que seria o “ideário”, ainda difuso e “inacabado”, e, talvez, pretensão minha, tangencie a essência da luta do chamado movimento dos “sem-mídia” (MSM). Os “insurgentes” reunidos nesse movimento que ousa subverter a pauta do escárnio que nos é imposta estão corretos. É urgente mesmo que lutemos contra o domínio e o poder despótico da grande mídia, suas mentiras, manipulações, seu moralismo e “denuncismo” seletivos.
Não que se pretenda calar e/ou manietar os meios, ou atentar contra a liberdade de imprensa (ou qualquer disparate nesse sentido) – em absoluto! Mas, é preciso combater também a arrogância, a grandiloqüência, a soberba e a megalomania de certos veículos, bem como de certos jornalistas que lhes servem como bonecos de ventríloquo e/ou sabujos, e que pretendem pautar o governo, a oposição e o país – a pauta “monopolista” e “onipresente” agora é um tal “Renangate”. Só fala no famigerado Renan Calheiros – até a saturação.

Mas a quem serve essa grande imprensa? Aos interesses e direitos universais e legítimos do leitor a uma informação isenta e de qualidade? Ao povo brasileiro? Certamente que não.

Se de fato desejamos a verdade (a que liberta) e, por isso, reivindicamos um jornalismo comprometido com a verdade factual e o máximo (quanto possível) independente de ideologias, partidos e governos, é necessário que, primeiro, busquemos respostas inequívocas a essa questão: a que(m) serve a grande mídia?

Desgraçadamente, sejamos honestos, ideologias à parte, e ainda parolando no campo da pedagogia da obviedade, a grande mídia serve aos interesses da “classe dominante”, aos que lhe financiam e dão sustentação; serve aos “donos do poder” – remetendo, novamente, à expressão cunhada por Raymundo Faoro. Então, seria no mínimo ingênuo esperar que essa mídia se posicionasse ao lado dos trabalhadores, ou dos movimentos sociais, e favoráveis às reivindicações destes.

E, de posse desse “mandato”, que lhes foi outorgado pelos “donos do poder”, despótica, imperial essa mídia já não consegue disfarçar ou ocultar o mandonismo atávico de antanho – e de sempre. Denuncia, julga e condena em editorias ou em reiteradas e canhestras matérias – mas apenas de acordo com suas conveniências e/ou de acordo com a conveniência e interesses daqueles que representa. Muitas vezes, ao arrepio da lei e do Estado de Direito.

A estratégia é simples: quando se trata dos amigos do establishment e/ou de correligionários e “irmãos” de estamento, o tratamento dado à denúncia é diferenciado. No máximo publica-se uma ou duas notinhas fazendo o registro dessa “denúncia", para logo em seguida, de maneira conveniente, tirá-la da pauta e do noticiário. O fato logo cai no esquecimento e, para todos os efeitos, a denúncia foi feita – está lá o registro, o álibi. Para todos os efeitos, o veículo é pluralista e não protege os amigos. Perceberam o engodo? Perceberam o ardil?

Ao passo que, quando as denúncias, sejam elas críveis ou não, se referem a membros do governo Lula ou de sua base aliada, aí sim são, claro, publicadas, repisadas e, se necessário, requentadas, e permanecem na pauta até a exaustão – ou até que se consiga derrubar o alvo em questão. Pode ser um ministro, um senador, um governo.

Um exemplo recente: o tal “caos” aéreo ou “apagão” aéreo – como preferirem. Havia (e ainda há), de fato, uma crise no setor aéreo do país, em parte devido ao vácuo deixado pela insolvência da Varig, em parte devido ao aumento (louvável) substancial da demanda e, também, sim, em grande parte, devido à incompetência de órgãos do governo em se antecipar a esse previsível aumento da demanda ou “gargalo”. E, claro, mas isso ninguém fala, também devido a sanha pelo lucro fácil de algumas companhias aéreas que retardavam e cancelavam vôos, faziam overbooking (vendiam mais passagens do que a quantidade de assentos disponíveis no vôo permitia) e se aproveitaram do “caos” apregoado pela mídia para legitimar ou disfarçar sua incompetência – esse seria o retrato da crise no setor aéreo mais próximo da realidade factual.

O que fez a imprensa? Bateu no governo, bateu e bateu – o que é até necessário e natural, pois é sua função criticar o(s) governo(s). Só isso? Não. Diagnosticou e apregoou, diária e reiteradamente, um tal “caos aéreo”. Porém, curiosamente, foi só o governo ceder às pressões e demitir Waldir Pires (do PT), colocando em seu lugar Nelson Jobim e a mídia silenciou (Detalhe 1: Jobim entende tanto de aviação quanto Pires – ou seja, nada). Assim, foi só sair a nomeação de Jobim para a pasta da Defesa e o tal “apagão” ou “caos” aéreo, como que por encanto, saiu da pauta. A crise aérea foi resolvida? Claro que não! Por que então a mídia agora silencia sobre os evidentes problemas no setor aéreo? (Detalhe 2: Jobim é do PMDB, e tem boa relação com o PSDB; Pires era do PT). Moral da história: aos “inimigos”, o patíbulo e a execração; aos amigos, o silencio cúmplice e a exaltação.

Isso sem falar do tratamento privilegiado que a gestão Serra em São Paulo recebe da imprensa. Por que não se fala, diuturnamente, nos “jornalões” e no noticiário local da TV, de um tal “apagão” da educação (utilizando, aqui, só para ressaltar o ridículo e o desgaste da sua linguagem “rica” em chavões hipnóticos, de fácil assimilação), ou num “caos” da segurança pública, uma vez que adolescentes em SP chegam ao Ensino Médio na condição de analfabetos funcionais e o déficit do sistema carcerário já chega a mais 30.000 vagas? Sem falar da Fundação Casa (ex-Febem) “entulhada” pelos destroços de toda uma geração de jovens – a chamada “geração FHC”. Na cidade de São Paulo carceragens onde caberiam cerca de 700 presos “acolhem” mais de 1.900!!! Mas os direitos humanos não servem para os “bandidos” – não é mesmo?

O debate – segundo eles “plural e democrático” – também é, diga-se, “de mentirinha”. Nos programas jornalísticos na TV, onde se deveria promover o debate de idéias, ocorrem tertúlias em que imperam um pensamento só. São “debates” monolíticos, modorrentos, cansativos, constrangedores, risíveis até. A modorra, a náusea está lá, indisfarçável, estampada na face dos convidados. Já é visível o esgotamento desse modelo de “jornalismo”. Distenderam demais a corda que foi pouco a pouco perdendo a elasticidade, chegando à completa frouxidão.

Observe atentamente o tratamento da mídia ao “mensalão” mineiro (note que novamente, uso a linguagem cara aos mercadores de mentiras). É pule de dez que a mídia vai centrar foco numa possível participação de Walfrido dos Mares Guia, hoje ministro de Lula e à época membro da coordenação de campanha de Azeredo, e esquecer Aécio Neves e o PSDB. Ou seja, vai tentar colocar mais essa “bomba” no colo do governo Lula. Os sabujos já dizem, com escandalosa desfaçatez, que nesse caso, sim, foi crime eleitoral (caixa 2), o outro foi “quadrilha” mesmo. A verdade deles, como se vê, é “relativa” e gira, para lá e para cá, bafejada pelos seus interesses e conveniências, tal qual biruta de aeroporto sob o sopro dos ventos.

Assim, devido ao desgaste causado pelo uso abusivo da mentira, da injúria, da intriga e da manipulação as denúncias já não surtem o efeito esperado. O “denuncismo” tornou-se uma espécie de clichê do jornalismo praticado nos dias de hoje. Ou seja, desgastou-se, pelo uso indevido, abusivo de importante instrumental da democracia: a eterna vigilância dos órgãos de imprensa, a crítica, a denúncia. A perda da credibilidade, por parte da imprensa, é ruinosa para a democracia.

Só mesmo passando a imprensa a limpo, reformulando e repensando sua práxis e criando novas leis e instrumentos regulatórios, após exaustivo debate e discussão com a sociedade (claro que por intermédio e com a participação dos jornalistas e de suas associações e órgãos representativos), que possibilitem a democratização dos meios de comunicação na sociedade, e que ela, a mídia (seja a grande, pequena ou média) esteja efetivamente a serviço dessa sociedade como um todo. E não apenas a serviço de alguns grupos demarcados e facilmente distinguíveis.

Reforma da mídia já! Ooops, desculpe-me! Esqueci que esse tema é um dogma. Pode ser legítimo o desejo de reformar o Judiciário, o Legislativo, até o Executivo, só não pode mexer com o poder absoluto, imperial da imprensa – por que aí já é “totalitarismo” e “censura”.

Totalitarismo “legítimo” só o da grande imprensa. E não se fala mais nisso.

N.AChega-me a informação (fonte: Terra Magazine) que o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) e a oposição “estudam” levar ao STF uma proposta de quebra do sigilo do painel de votações da sessão do julgamento do caso Renan. Esse senador é um dos amigos e protegidos da grande imprensa e, talvez por isso, tenha a desfaçatez de “estudar” um recurso descabido dessa natureza. Estejam atentos e não se enganem: esse é o ideal de democracia dessa gente.

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