quarta-feira, novembro 29, 2006

Cuba - Corpo Fechado

O cotidiano de Havana, as crianças nas praças, os guardas nos quarteirões, as noites de salsa, os orixás dão a sensação de que não será fácil demolir a experiência socialista tropical

Na segunda semana de agosto, Cuba era notícia em todo o mundo. Fidel Castro se afastava do governo pela primeira vez, pouco antes de completar seus 80 anos, no dia 13, para uma cirurgia grave. A mídia de todo o mundo se alvoroçava, parecia “torcer” por um levante, quem sabe o fim de 47 anos de revolução. Redações acionavam seus correspondentes: “Fotografem os tanques nas ruas!” Os jornalistas esquadrinhavam Havana. Mas não havia tanque nas ruas.

Noticiada a doença, as portas da ilha foram fechadas para jornalistas estrangeiros. Mesmo sabendo, a Folha de S.Paulo tentou entrar – talvez pelo propósito de publicar, como fez, enorme matéria “denunciando” o impedimento. Em Havana há cerca de uma centena de correspondentes internacionais. Ne-nhum do Brasil, onde as notícias sobre Cuba vêm das agências internacionais, ou dos correspondentes em Washington....

Na semana em questão, a vida seguia. O cotidiano cubano é diferente. As crianças, em férias, brincavam nos parques e centros esportivos. Criança de rua não existe. Pais e mães sabem que a formação gratuita de seus filhos até a universidade, e a pós-graduação, e o doutorado, ali não é sonho. Os salários são baixíssimos, mesmo para engenheiros, médicos etc. Mas, como disse uma correspondente internacional, cujo salário vertido na moeda local se transforma em poucos pesos cubanos: “Recentemente passei por uma cirurgia muito grande, e não paguei nada”. Pois os cubanos também não temem a falta de atendimento médico. Não sabem o que é sucumbir em corredores de hospitais, dar à luz em pias, esperar em macas por uma UTI. Nem o que é um plano de saúde que limitará exames, intervenções e deixará o grosso dos procedimentos para o SUS.

A medicina cubana, uma das melhores do mundo, é também solidária: 25 mil médicos cubanos atendem em países do Terceiro Mundo. Pena que no Brasil a corporação médica não reconheça seu diploma. Que inédito poder andar a qualquer hora do dia ou da noite em uma metrópole, sem medo. Em cada esquina da Havana Vieja, ouvir os calientes ritmos caribenhos. Se precisar de uma informação, pergunte ao guarda, presente em cada quarteirão.

Uma cubana que esteve em São Paulo levou tempo para se acostumar, à noite, aos infindáveis luminosos que chamam, anunciam, vendem. Na paisagem de Havana, onde o espaço público é público mesmo, os olhos descansam Problemas existem. Muitos. Há quem queira ou precise mais do que a ilha oferece. Por exemplo, os profissionais de nível universitário. Um engenheiro mecânico nos transportou em seu táxi clandestino. Guillermo abandonou a profissão porque ganhava muito pouco, e se arrisca nessa, que vive do turismo.

O país é o que há mais tempo resiste às agressões norte-americanas e a um bloqueio econômico de meio século. “Depois de tudo o que passamos, não há nada mais que possa nos assustar”, disse uma funcionária da Cubatur, a empresa oficial de turismo.

Não será fácil demolir a experiên-cia socialista tropical. A luta do povo contra invasores não começou com a revolução de 1959, tem mais de 100 anos, como atestam as 138 bandeiras negras tremulando no alto dos mastros da Tribuna Antiimperialista José Martí, local de manifestações políticas e festivas de Havana – erguidas para esconder as mensagens contra o regime veiculadas diuturnamente no luminoso do edifício em que funciona o escritório de interesses dos EUA, no Malecón.

Na Tribuna, na noite de 12 para 13 de agosto, houve uma Cantata pela Pátria, em homenagem ao aniversário de Fidel, vista por centenas de milhares de, especialmente, jovens. Nesse dia, ele disse em entrevista ao jornal Granma que não enganaria o povo sobre sua saúde, que seria uma recuperação lenta.

No dia 18 de setembro, o deputado argentino Miguel Bonasso teve uma inesperada entrevista com Fidel, publicada no jornal Página 12, de Buenos Aires. Bem mais magro, mas falando muito, como sempre, dedicando-se a anotações do livro-entrevista que o jornalista espanhol Ignácio Ramonet acaba de lançar, dá a impressão de que está vencendo mais uma batalha.

Ele já escapou de atentados incríveis, até mesmo com uma caneta envenenada. O povo, de religião afro-cubana na maioria, crê que ele tenha o corpo fechado pelos babalaos, mesmo nome dos babalaôs do candomblé baiano, só a pronúncia é diferente. São os mesmos orixás, é a mesma cultura iorubá que faz esses dois povos tão parecidos, principalmente na alegria e na vocação para a música. Como não torcer por eles?

Agência Carta Maior

terça-feira, novembro 28, 2006

América Latina confirmando-se como contraponto possível ao neoliberalismo

O longo ciclo eleitoral latino-americano

Com o triunfo de Rafael Correa no Equador e as reeleições praticamente asseguradas de Hugo Chávez e de Nestor Kirchner, se conclui o longo ciclo eleitoral latino-americano, iniciado com o triunfo de Evo Morales na Bolívia, em dezembro de 2005. Seguiu-se com as eleições de Michele Bachelet no Chile, de Oscar Arias na Costa Rica, de Alan Garcia no Peru, de Lula no Brasil, de Álvaro Uribe na Colômbia, de Daniel Ortega na Nicarágua, e de Felipe Calderón no México.

São 11 eleições, incluindo os países de maior peso no continente – Brasil, México, Argentina, Venezuela, Colômbia, Chile, Peru –, das quais quatro foram reeleições – Lula, Uribe, Hugo Chávez, Kirchner –, duas mais continuações dos governos anteriores – Calderón e Bachelet, com três mudanças significativas de políticas – Bolívia, Equador, Nicarágua.

O pólo que prioriza os processos de integração regional viu a incorporação da Bolívia e do Equador – talvez até mesmo da Nicarágua, mantendo o Brasil, a Argentina e a Venezuela, enquanto o pólo favorável aos tratados bilaterais manteve a Colômbia, o México e o Chile, ganhando o Peru e a Costa Rica. (Ainda que a nova maioria democrata no Congresso dos EUA questione os tratados que estão por ratificar com a Colômbia e o Peru, deixando aberta esta possibilidade.)

Poderia parecer, aritmeticamente, um resultado empatado. No entanto, se fortaleceu o bloco favorável aos processos de integração regional. As vitórias de Lula, de Kirchner, de Hugo Chávez consolidam o eixo fundamental nesses processos, que ganham alguns anos para avançar na consolidação, extensão e aprofundamento no Mercosul, na Comunidade Sul-Americana de Nações, na Alba. O ingresso da Venezuela como membro pleno do Mercosul e a reunião de Córdoba expressam novo dinamismo do acordo, com a integração da Bolívia e a aproximação de Cuba. A participação do Equador bloqueará a formação de um bloco andino favorável ao livre comércio, além das mencionadas dificuldades trazidas pela maioria protecionista democrata no Congresso dos EUA.

Além disso, a vitória de Calderón foi muito questionada no México e tanto nesse país quanto na Colômbia – com Lopez Obrador e com Carlos Gaviria – a esquerda teve um desempenho muito bom, situando-se como a segunda força política nesses países. Da mesma forma a disputa no Peru foi acirrada, com a candidata abertamente neoliberal – Lourdes Flores – ficando fora do segundo turno.

Estas observações configuram um desgaste significativo da votação dos partidos que defendem programas neoliberais, com expansão do voto à esquerda – mais radical nos casos da Bolívia, do Equador e da Venezeula -, mais moderada nos casos do Brasil, da Argentina e da Nicarágua.

O triunfo de Rafael Correa no Equador é a culminação das mobilizações populares que, em abril deste ano, impediram que o país assinasse um tratado de livre comércio com os EUA. Ainda assim, Álvaro Novoa pretendia retomar essa via, fazendo com que, em parte, o segundo turno tivesse sido um plebiscito sobre o futuro do Equador. A vitória de Correa consolida a opinião majoritária dos equatorianos de crítica às vias adotadas pelos três últimos presidentes eleitos, todos derrubados por mobilizações populares, por tentar manter o modelo neoliberal.

O cenário político continua favorável à esquerda no continente – que, agora, ainda pode contar com eventuais defecções no outro campo, especialmente do governo de Alan Garcia, pela resistência democrata no Congresso dos EUA -, que pode aproveitar para consolidar e principalmente avançar decididamente no caminho da integração latino-americana.

Carta Maior

sexta-feira, novembro 24, 2006

Passados dois anos do massacre de cinco sem-terra, ameaças continuam





Chacina de Felisburgo

Missão da Relatoria Nacional para os Direitos Humanos à Alimentação Adequada, Água e Terra Rural da Plataforma DHESCA Brasil confirma denuncias de ameaças contra famílias do MST em Felisburgo (MG), dois anos depois do massacre que vitimou cinco sem terras. De acordo com a Relatoria, situação fundiária não foi solucionada e governo estadual tem dificultado indenização de familiares das vítimas.

SÃO PAULO – Completados dois anos do ataque de pistoleiros a um acampamento do MST que vitimou cinco pessoas e deixou 17 feridos em Felisburgo, MG, trabalhadores sem-terra que continuam acampados na área que gerou o conflito com o mandante do crime, o fazendeiro Adriano Chafick, voltam a denunciar ameaças de morte por parte de pistoleiros supostamente a serviço do fazendeiro.

Nos dias 16 e 17, o Relator Nacional para os Direitos Humanos à Alimentação Adequada, Água e Terra Rural da Plataforma DHESCA (Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais), Flávio Valente, esteve no local para verificar a situação dos acampados e participou, na Assembléia Legislativa de Belo Horizonte, de uma audiência pública com autoridades estaduais e federais ligadas à questão, como o Instituto de Terras do estado, o Incra e o Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Segundo Valente, que colheu depoimentos de vários sem-terra, as ameaças de morte denunciadas têm fundamento e assemelham-se muito às feitas antes do ataque dos pistoleiros em 2004. Para o relator, o problema agravou-se com a soltura de Adriano Chafick em abril de 2005 – réu confesso, o fazendeiro foi preso e posteriormente beneficiado por dois hábeas corpus concedidos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

“A soltura de Chafick reforçou um sentimento de impunidade entre os pistoleiros. Tem sido comum que os acampados sejam parados na rua, dizem-lhes que a situação não vai ficar assim, que eles serão expulsos”, diz Valente. Segundo ele, a situação é agravada pelo comportamento hostil da polícia, que tem se recusado a receber os Boletins de Ocorrência com a versão dos ameaçados.

O Relator afirma ainda que o poder de Chafick na região é tão grande que o julgamento dele e dos pistoleiros que participaram do massacre só deverá ter prosseguimento quando for transferido da comarca de Jequitinhonha, onde tramita, para Belo Horizonte. “O pedido de desaforamento do processo foi feito pela própria Juíza de Jequitinhonha, que reconheceu a impossibilidade de tramitar o processo em sua comarca”. No momento, apenas três envolvidos no massacre estão presos. Chafick e os sete jagunços já identificados pelas vítimas continuam aguardando julgamento em liberdade.

Situação fundiária e indenizações
Além da volta das ameaças contra os sem-terra, a situação fundiária em Felisburgo não teve avanço nestes últimos dois anos. Reivindicada pelo MST por ter sido parcialmente grilada por Chafick, a fazenda que foi ocupada pelo movimento teve 500 hectares declarados terra devoluta pelo estado logo após o massacre. O restante da fazenda de 1800 hectares pertenceriam a Chafick, mas o Incra teria se proposto a encaminhar a desapropriação para fins de reforma agrária. Até agora, no entanto, o processo não andou.

Outro processo estagnado é o de indenização pelo estado das famílias das cinco vítimas. Acusado de omissão por não ter evitado o crime apesar das reincidentes denúncias de ameaças por parte dos sem-terra, o governo do estado acordou com o movimento que se disporia a apoiar um projeto de lei na Assembléia Legislativa que criasse o mecanismo indenizatório.

Segundo Ronaldo Carvalho, assessor do deputado Rogério Correia (PT), autor do Projeto de Lei 2972/2006 que propõe a indenização de R$ 200 mil para cada família, no entanto, a Comissão de Fiscalização Financeira da Câmara, liderada pela bancada do governo, considerou o PL inconstitucional por tratar de “questão federal, a reforma agrária”.

Considerado pelo movimento um rompimento do acordo por parte das forças ligadas ao governador Aécio Neves, o MST fez uma cobrança formal a Aécio nesta terça (21).

Na carta enviada ao governador, o movimento afirma que quer lembrá-lo de que “logo após o massacre foi firmado um acordo em que o governo do Estado e a Assembléia Legislativa assumiram um projeto para a indenização e reparo parcial das perdas às famílias das vítimas na chacina. (...) No entanto, soubemos que a bancada de seu governo se recusa a aprová-lo, rompendo assim o seu compromisso. Por isso, vimos a sua presença pedir que oriente sua bancada a aprovar o projeto ainda neste ano e, dessa forma, as famílias podem obter pelo menos o conforto da sociedade mineira, reconhecendo os erros em torno da tragédia”.

Carta Maior

quarta-feira, novembro 22, 2006

O Caso Emir Sader

Ivy Judensnaider, da Arscientia

Assunto de interesse de todos os cidadãos e, em particular, dos intelectuais e profissionais da mídia.

Processado por injúria pelo senador Jorge Bornhausen em função de um artigo publicado na Carta Maior (cuja íntegra pode ser vista aqui), o sociólogo Emir Sader foi condenado a um ano de detenção e à perda do cargo de professor na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. As reações à condenação incluem um manifesto, onde mais de dez mil intelectuais apóiam Emir Sader e repudiam a condenação.

Ainda, o promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, Renato Eugênio de Freitas Peres, entrou com recurso junto ao juiz de Direito da 22ª Vara Criminal de São Paulo, Rodrigo Cesar Muller Valente. No recurso, o promotor pede que seja declarada a nulidade do processo, por rejeição da Queixa-crime (por inépcia e falta de condições processuais, leia-se, adequação do pedido), ou que ainda que seja declarada a nulidade do feito por descumprimento do rito especial da lei de imprensa e por falta de oitiva das testemunhas de defesa. O promotor complementa: caso “chegue o julgamento ao mérito, o pedido da Promotoria de justiça é no sentido de que seja reformada a sentença com improcedência da ação penal, seja por falta de prova de dolo, seja pela possibilidade de considerar-se o fato atípico. Por fim, se mantida a condenação, deve ser reformada no mínimo para que seja retirado o efeito secundário de perda de cargo e para concessão de “sursis”. A Carta Maior publicou a íntegra o recurso.

Em entrevista à editora-chefe da arScientia, Ivy Judensnaider, o promotor Renato Eugênio de Freitas Peres esclareceu alguns aspectos do caso.

arScientia: O senhor afirmou que a denúncia sequer deveria ter sido aceita, já que não ficou claro se o crime do qual foi acusado o Prof. Emir Sader era de calúnia, injúria ou difamação.

Renato Peres: Antes, gostaria de esclarecer que não sou "petista", não exerço atividade político-partidária nenhuma, não sou militante de qualquer movimento político. Em Direito Penal existe um fenômeno chamado "subsunção", que significa que um fato social deve encaixar-se num modelo hipotético previsto em lei. Somente quando ocorre isto podemos dizer que houve um crime porque é uma garantia das democracias que os crimes sejam fixados previamente por lei. Para que um crime seja punido, contudo, precisa haver um processo legal, que também deve obedecer regras, como um jogo. E para haver um processo, é preciso que uma petição ou uma acusação penal seja adequadamente apresentada em Juízo. A acusação penal é sujeita a maior rigor que uma petição cível. Um fato tem que se encaixar perfeitamente no modelo hipotético, não pode haver uma dissertação genérica associadas a vários tipos penais. E a petição deve descrevê-lo perfeitamente para permitir a defesa e o julgamento. É muito comum ver chegar à Justiça queixas-crimes genéricas (petições de ações de iniciativa privada) por crime contra a honra. E os precedentes em geral são de rejeição. A acusação deve ser bem objetiva e a redação deve ser sucinta e direta.

arScientia: Qual a diferença entre esses crimes, do ponto de vista do conceito e das penas que geram?

Renato Peres: Caluniar é imputar a alguém falsamente a autoria de um crime. Difamar é imputar um fato ofensivo à reputação (não um crime). Injuriar é simplesmente ofender o decoro ou a dignidade. No Código Penal tais tipos têm penas mínimas de seis meses, três meses e um mês (ou multa) respectivamente. Percebe-se que conforme o fato é mais genérico e menos grave, a lei torna a pena mais leve. Mas existem variantes de tais tipos, como a injúria racial e os tipos assemelhados da Lei de Imprensa.

arScientia: Quais são as variantes em termos da lei de imprensa?

Renato Peres: A lei de imprensa prevê penas diversas para os fatos praticados por meio de órgãos de comunicação. As penas mínimas são parecidas, mas as penas máximas são maiores, e há fixação dos valores das multas. Por exemplo, a pena máxima de injúria na imprensa é de um ano, mas a pena máxima de injúria do Código Penal é de apenas seis meses. Além disto, a multa mínima do Código Penal é de dez dias de salário mínimo, e a multa da lei de imprensa é de um salário mínimo.

arScientia: A Lei da Imprensa foi utilizada como instrumento para a condenação. Houve algum erro na forma como ocorreu essa utilização?

Renato Peres: É a lei de imprensa boa? Pelo que eu sei, essa lei era objeto de muitas reclamações dos jornalistas porque foi editada em 1967. Talvez não por conter penas máximas maiores porque a nossa tradição é de aplicar sempre as mínimas. Mas não é possível deixar de observar que ela contem muitos dispositivos mais modernos que os do Código Penal, como as alternativas de conciliação, direito de resposta, alternativa de multa, formas de perdão. No caso da injúria, por exemplo, há previsão de não aplicação da pena quando o ofendido provocou o fato. Existe a notificação para explicação da ofensa, que permite a retratação ou retificação por parte do suposto ofensor e acaba com a ação penal. Existe também o direito de resposta, que permite uma publicação reparatória da ofensa. No caso em tela, somente poderia ter sido utilizada a lei de imprensa porque o fato em julgamento ocorreu por meio de uma publicação. Todavia, a lei de imprensa prevê alguns procedimentos que não foram aplicados ou cuja aplicação não se deu corretamente, como a chamada exceção da verdade ou a notificação para explicação. Se a notificação tivesse sido exercitada, não teríamos a ação polêmica. Não foi exigida a notificação prévia. No meu modo de ver, a acusação genérica causa um problema para a defesa e para o julgamento. Eu já havia apontado para isto. O julgador negou reconhecer a existência do problema, mas depois acabou tendo que limitar o julgamento a apenas uma expressão, das muitas que seriam "ofensivas". E limitou a capitulação a um tipo penal, injúria, que é o mais genérico, ou aberto. "Encaixou" o emprego do termo "racista" na hipótese de injúria... (racismo é crime, logo o mais certo seria tipificar o fato como calúnia). É possível ver uma lógica ao fazer isto, mas caberia a ele explicar. De qualquer modo, não compreendo como tanta gente discursa em público no sentido de que é necessário separar criminosos violentos dos não violentos, ou no sentido de que é necessário criar procedimentos diferenciados para crimes não violentos, quando os mecanismos existentes não são aplicados. A legislação penal brasileira é bastante benevolente, a aplicação do direito penal é muito mitigada, há muitas alternativas "despenalizadoras" mesmo numa lei da época da ditadura. O caso revela, contudo, que quando há vontade, o direito pode ser muito rigoroso.

arScientia: Esse excesso de rigor ocorreu no caso do professor Emir Sader?

Renato Peres: Como se não bastassem as alternativas da lei de imprensa, nós temos hoje em vigor a lei de pequenas causas. Ninguém recebe pena de cadeia se for primário. Aliás, os processos não chegam a julgamento quando a pena de um crime é de detenção. É verdade que, no caso, a ação é de iniciativa privada, mas parece inconcebível que não se aplique a lei de pequenas causas porque os requisitos estão todos presentes.

arScientia: Na sua opinião, quais os exageros da sentença do juiz que julgou o caso?

Renato Peres: Quanto a ter havido um erro, é preciso dizer que não ouso falar mal do juiz. Primeiro, não foi ele que presidiu o processo desde o começo. Um antecessor aceitou a Queixa. Depois ele foi coerente, qualidade que deve ser respeitada. É rigoroso em todos os casos. A relação entre promotor e juiz é impessoal e deve ser objetiva, opiniões são divergentes e vamos colocar no papel, cada um na sua função. Provavelmente ele é coerente também com o que a sociedade paulista espera dele. Mas o primeiro exagero está na própria existência do processo. A Justiça tem bastante trabalho com crimes violentos para perder tempo com algo que é um crime de bagatela, se é que pode ser considerado crime. Não ter havido alternativa de prestação anterior ao processo é um exagero. Um valor alto poderia ter sido exigido, sem o custo de um processo. Depois, se limitada a condenação à injúria, a pena cabível seria a de multa. Os juízes sempre aplicam a menor pena. É raríssimo encontrar aplicação acima do mínimo. Quando há previsão de detenção ou multa, a regra é a multa, a pena menor. Além de ser afastada a multa, foi fixada a pena no máximo, um ano de detenção. Com isto, um outro "exagero" ocorreu: a decretação de perda de cargo. Ora, esse efeito secundário somente tem cabimento em penas de quatro anos ou mais. Ou se o crime tiver penas de um ano, quando o fato criminoso está relacionado ao cargo. No caso o suposto crime teria ocorrido no exercício de atividade jornalística, na imprensa, não no exercício de docência... Há tantos exageros que a pena de detenção com perda de cargo acabou sendo substituída por prestação de serviços. Ora, a perda do cargo é efeito secundário, acessório. O cumprimento da prestação de serviços elimina a pena substituída e o seu efeito secundário, entendo eu. Há tantas falhas, do meu ponto de vista, que parece impossível executar uma condenação assim. Um ponto à parte diz respeito à perda de cargo de professor. O fato não tem nada a ver com o suposto crime de imprensa. Além disto, parece um atentado contra a vida autônoma e a organização universitária. Será que a demissão de um professor universitário pode vir de fora da instituição?

arScientia: Como o senhor avalia o comportamento da imprensa no caso do Prof. Emir Sader?

Renato Peres: Interessante o comportamento da imprensa em São Paulo. Temos um Estado e uma Capital que não apenas são governados pela aliança formada pelo partido do querelante, como de fato o partido do querelante tem os mandatários que estão em exercício. Será que esse partido exerce tanta influência assim? Até mesmo O Globo da família Marinho publicou a notícia, mas não os grandes jornais de São Paulo. Também ouvi umas besteiras do tipo "o Ministério Público é um braço do PT" por causa do recurso... Isto é brincadeira? Existe algo do PT no Ministério Público ou na Justiça em São Paulo? Há uma mensagem nessa situação: é algo como "esse réu tem o que merece, os petistas são todos bandidos e não há lugar para gente assim aqui em São Paulo". Talvez a sentença seja o que as classes que mandam em São Paulo esperam. Assim, um fato desses não pode ser contestado ou sequer debatido. A imprensa devia se envergonhar do problema, mas prefere fingir que ele nem existe. Mas eu vou além disto. Tenho a impressão de que o fato é tão vergonhoso que está sendo escondido, varrido para baixo do tapete, para que ninguém veja que coisa grotesca pode ocorrer no Estado mais moderno, rico, ilustrado... Fico imaginando se o caso será relatado por organizações internacionais como atentado contra a imprensa, e se aí os jornais publicarão a notícia porque a Anistia Internacional pediu. Um jornalista condenado a um ano de prisão e perda de cargo de professor... É claro que as comparações devem ser evitadas, mas quando penso no caso, eu me lembro do caso Dreyfus.

arScientia: Por que a lembrança do Caso Dreyfus?

Renato Peres: Pelo absurdo, pelo julgamento estar imbuído de uma certa discriminação. Claro, mais de um século se passou. Aliás, está completando cem anos a reabilitação. Guardadas as devidas proporções, será que estamos produzindo um caso Dreyfus à brasileira, ou à paulista? Só falta mandar o réu para uma "Ilha Grande". Aqui no caso não se trata de discriminação racial. Mas as discriminações no Brasil geralmente são sociais. E decorrem até da aparência. O diferente aqui no caso é ser petista, e ele deve ser condenado a uma espécie de ostracismo. Não há lugar para quem discorde da classe majoritária. Não pode haver alternativa política. É bandidismo ser petista e a pena deve ser severa. Por enquanto, tenho a impressão que o caso é tão grotesco que a condenação não prevalecerá. Mas sabe-se lá... Todavia, enquanto há a condenação, a Promotoria deve lutar contra ela. A Justiça, entendida como esse universo formado por Judiciário, Ministério Público, Advocacia, aparato policial, deveria envergonhar-se de um caso assim. Se há um caso Dreyfus, que fique bem claro que o Ministério Público levantou a voz para apontar o erro, já que o Promotor não é apenas acusador. A função do Promotor de Justiça é defender a ordem democrática, a sociedade. O mínimo de igualdade de tratamento, de processo legal. Quando há crime, temos uma causa envolvendo a segurança pública. No caso em tela, é óbvio que a segurança pública não foi envolvida. Não temos um crime nem um criminoso, entendo eu. Temos uma questão em que é possível discutir idealmente a justiça. E aí deve agir o Ministério Público fiscal da lei. E deve lutar mesmo com os poucos recursos ao seu alcance.

Ivy Judensnaider - É economista e mestra em História da Ciência e Tecnologia pela PUC/SP. Trabalha como professora universitária e é escritora. Autora de Debora Fala Reservadamente com Todos, publicado pela Editora Altana, SP, é colunista da revista eletrônica NovaE, editora-chefe de arScientia e também publica regularmente em Blog da Ivy . ivy.naider@gmail.com - São Paulo

Fonte: Novae.inf

terça-feira, novembro 21, 2006

O crime organizado e o país nasceram ao mesmo tempo

por Júlio César Pereira Queiroz
Não há como conceituar e definir o crime organizado sem analisarmos na história recente sua forma de desenvolvimento e como suas raízes espalhou-se como forma de tentáculos para atingir as principais instituições do país, numa verdadeira ameaça ao Estado de Direito, recrutando seus agentes públicos que deveriam preveni-lo e combatê-lo desde sua origem até suas ramificações. Mas, poderíamos afirmar que o crime organizado, em nível nacional, teve seu desenvolvimento apenas na história recente do país?

O legislador, ao definir o tipo penal de quadrilha ou bando, artigo 288 do Código Penal Brasileiro de 1941, apresentou um claro objetivo de punir a reunião de um número mínimo de pessoas voltadas a cometer quaisquer tipos de crimes. É notório que, àquela época, já existiam notícias de crimes cometidos por grupos que se reuniam com um mínimo de organização para cometê-los.

Não há de se olvidar que os fatos de tal natureza aconteciam de forma velada e nunca se detectava essa modalidade dentro do perímetro institucional, pois o Estado combatia seus inimigos como um paladino da justiça e imputava os castigos devidos aos “marginais do crime”, cujo modus operandi estava longe de afetar a nervura das instituições estatais.

O que estamos vendo hoje em dia é, simplesmente, a conseqüência de anos de cegueira e hipocrisia de governos que passaram pelo comando da nação e à frente das decisões do Estado de Direito. Observamos que as mudanças acompanharam a necessidade de uma maior organização por parte dos criminosos. Porém, fomentada pela inércia do Estado em combater tal modalidade criminis sem fazer o verdadeiro trabalho de consciência e repressão nos próprios quadros de suas instituições, cuja inexistência de autocrítica em anos de rápida evolução, nos mostra as conseqüências de um paradoxo que em relação a tal organização inimiga o Estado brasileiro não se organizou.

O combate hoje realizado pela Polícia Federal contra o crime organizado denota uma idéia de que o crime evoluiu, alcançando proporções gigantescas, a ponto de seus tentáculos atingirem não só os órgãos de segundo e terceiro escalões dos Poderes, mas as próprias cúpulas destes. Hoje, ao vermos as ações dos famosos grupos criminosos que estão instalados no Rio de Janeiro e em São Paulo, os chamados Comando Vermelho e PCC, nos perguntamos se, ao final das contas, há uma diferença entre os bandidos dos morros e presídios paulistas e aqueles que estão envolvidos em escândalos intermináveis e que ficam à frente das principais decisões que conduzem o destino da nação. Quais as características do crime organizado? A que ponto ele é uma ameaça ao Estado? Isso foi formado recentemente?

O crime organizado, na visão do Federal Bureau of Investigations (FBI), é qualquer grupo que tenha uma estrutura formalizada cujo objetivo seja a busca de lucros por meio de atividades ilegais. Esses grupos usam da violência e da corrupção de agentes públicos. Para a Pennsylvania Crime Commision, as principais características das organizações criminosas são as influências nas instituições do Estado, altos ganhos econômicos, práticas fraudulentas e coercitivas.

Ora, se falarmos de estrutura, busca de lucros, atividades ilegais, influência nas instituições do Estado, corrupção, etc., não podemos afirmar que todas essas características nasceram nos últimos anos. Na verdade, in integrum, o crime organizado nasceu concomitante ao nascituro do país, com a história definindo claramente sua existência nos anais de suas épocas: os famosos escândalos da corte portuguesa, os saques das riquezas naturais e do tesouro nacional, a formação da república e sua evolução e, mais recente, os escândalos que vieram à tona dentro do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto.

Tudo isso fomenta o crime organizado. O tráfico de drogas, o contrabando, a violência urbana e rural, os seqüestros, os assaltos são formados a partir de um crime de essência subjetiva, mas com consciência e resultados fáticos: a corrupção. E isso sempre existiu, sempre aconteceu. A evolução do crime organizado, bem como a evolução do combate a essa modalidade, apenas foi construída a partir do momento em que olhamos para o próprio umbigo e vimos que a vergonhosa nudez estava não só nas esferas externas de nossa formação estatal, mas na própria estrutura que forma os poderes constituídos.

Estas poucas linhas devem ser encaradas como uma humilde contribuição teórica para a definição do que seja crime organizado e de uma reflexão em torno das suas ações. Além disso, não podemos demonstrar que não conseguimos enxergar as dimensões das organizações criminosas e nem seus sustentáculos, sob pena de deixarmos aos nossos filhos o triste legado de sofrer as conseqüências de suas ações e continuar acompanhando a evolução do crime organizado e sua milenar existência.

Revista Consultor Jurídico, 21 de novembro de 2006

Júlio César Pereira Queiroz: é policial federal e presidente da Associação dos Policiais Federais do Amazonas.

Petrobras divulga nota rebatendo O Globo

20 de Novembro de 2006
A Petrobras divulgou nota na qual contesta matérias publicadas pelo jornal O Globo nas edições de domingo (19) e desta segunda-feira (20). "Vimos a público afirmar que são absolutamente falsas as acusações e ilações feitas pelo jornal "O Globo", em duas manchetes consecutivas – nas edições de ontem e de hoje".

Segundo a nota, "é improcedente a afirmação de favorecimento de candidatos do PT com recursos provenientes de projetos da área social e do Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural".

"No domingo, de um universo de 1751 projetos sociais patrocinados pela Petrobras, o jornal "O Globo" selecionou 25 para acusar a Companhia de favorecimento de entidades vinculadas a partidos que apóiam o governo. Na edição de hoje, O Globo afirma que a ABEMI (Associação Brasileira de Engenharia Industrial) mantém contrato com a Petrobras "sem licitação" para favorecimento de candidatos nas últimas eleições. Afirmação e ilação absolutamente falsas e caluniosas", diz a nota .

Leia abaixo a íntegra da nota:

NOTA DE ESCLARECIMENTO À OPINIÃO PÚBLICA

A Petrobras é a empresa brasileira que mais investe em projetos de desenvolvimento econômico, social e ambiental no Brasil - U$ 87 bilhões para os próximos cinco anos.

Dentro dessa realidade e dos rigorosos princípios de Responsabilidade Social que regem a gestão da Companhia, vimos a público afirmar que são absolutamente falsas as acusações e ilações feitas pelo jornal "O Globo", em duas manchetes consecutivas - nas edições de ontem e de hoje.

É improcedente a afirmação de favorecimento de candidatos do PT com recursos provenientes de projetos da área social e do Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural.

No domingo, de um universo de 1751 projetos sociais patrocinados pela Petrobras, o jornal "O Globo" selecionou 25 para acusar a Companhia de favorecimento de entidades vinculadas a partidos que apóiam o governo.

Na edição de hoje, O Globo afirma que a ABEMI (Associação Brasileira de Engenharia Industrial) mantém contrato com a Petrobras "sem licitação" para favorecimento de candidatos nas últimas eleições. Afirmação e ilação absolutamente falsas e caluniosas.

A bem da verdade, seguem os esclarecimentos da Petrobras:

1 - A Petrobras mantém com a ABEMI convênio para o desenvolvimento do Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural - Prominp. Convênio não é contrato. De acordo com a legislação brasileira, não há necessidade de licitação para convênios desta natureza. O convênio foi firmado em março de 2006 e o edital para a seleção pública foi publicado em junho do mesmo ano.

2 - A ABEMI não tem qualquer ingerência sobre os recursos do Prominp e nenhuma empresa associada da ABEMI recebe qualquer recurso do programa. Os recursos são previamente programados e repassados para as instituições de ensino que capacitam a mão-de-obra para o setor de petróleo. A ABEMI congrega empresas que são demandadoras desta mão-de-obra.

3 - Dos R$ 228 milhões previstos para o período de execução do Prominp - 2006 a 2008 - R$ 39 milhões estão previstos para desembolso em 2006. Devido à necessidade de alteração de prazos de obras pela indústria de petróleo, até outubro deste ano foram desembolsados R$ 6 milhões. A capacitação da mão-de-obra está estreitamente vinculada à absorção dos profissionais pelas empresas. Há ainda contrapartida das empresas empregadoras de até R$ 42 milhões nesses dois anos.

4 - A Petrobras é a principal financiadora do Plano Nacional de Qualificação Profissional do Prominp. A aplicação de recursos em qualificação profissional foi aprovada pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis).

5 - O Prominp objetiva formar cerca de 70.000 profissionais, nos níveis superior, técnico e básico, até 2010. Estão previstos cerca de 580 cursos, quatro mil turmas e 40 diferentes entidades de ensino nos vários níveis. O Programa foi definido pelo Conselho do Prominp, integrado pelo Ministério de Minas e Energia e Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Petrobras, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Organização Nacional da Indústria do Petróleo (ONIP) e Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP).

PROJETOS SOCIAIS:

1 - A Companhia patrocina desde 2003, quando lançou o Programa Petrobras Fome Zero, 1751 projetos sociais, que contam com a parceria de 15 mil entidades, entre instituições públicas e organizações da sociedade civil.

2 - Cerca de 2,5 milhões de pessoas foram atendidas diretamente pelo Programa e 8 milhões de pessoas foram beneficiadas indiretamente.

3 - A seleção dos projetos é feita com base em critérios técnicos, amplamente divulgados desde 2003 e disponíveis no site da Companhia. Os critérios adotados não são políticos-partidários. As entidades que desenvolvem os projetos sociais podem ou não, direta ou indiretamente, manter vínculos com quaisquer partidos políticos, incluindo os de oposição ao Governo. Vínculos políticos e/ou ideológicos não são levados em consideração pela área técnica da Companhia.

4 - O Programa Petrobras Fome Zero é desenvolvido pela Companhia com a participação da Unicef, e dos Instituto Ethos e Paulo Freire, Ibase, Agência Nacional de Direitos da Infância (ANDI), Fundação Roberto Marinho, Canal Futura, entre outras entidades brasileiras com reconhecimento nacional e internacional na área de responsabilidade social.

5 - O sucesso e a seriedade dos projetos sociais da Petrobras levaram, em 2006, a Companhia a integrar o seleto grupo de empresas classificadas no Índice Dow Jones de Sustentabilidade. Este é o mais importante índice internacional de classificação de empresas social e ambientalmente responsáveis, que têm papéis negociados na Bolsa de Nova Iorque.

http://www.informes.org.br/

As vitórias de Lula

por Guilherme Scalzilli

Enquanto prevalecia alguma certeza de que Lula seria reeleito já no primeiro turno, a oposição tentou garantir o enfraquecimento político da nova gestão. Esperava-se (e era desejo confesso de inúmeros analistas) que o PT obtivesse uma votação decepcionante em todas as instâncias. Governabilidade à parte, a derrocada petista representaria a desmoralização do presidente, cujo sucesso passou a ser ostensivamente condicionado pelo desempenho do partido. Entretanto, apesar de ter perdido cerca de 2 milhões de votos em relação a 2002, o PT foi novamente o partido mais votado para deputado federal, manteve sua bancada na Câmara e elegeu cinco governadores. A coligação governista está próxima da maioria absoluta na Casa e conquistou dezesseis Estados, inclusive o Ceará de Tasso Jereissati e a Bahia de ACM. A própria insistência em disseminar expectativas apressadas conferiu aos resultados a importância de uma vitória nacional.

Cristovam Buarque e Heloísa Helena basearam-se na condição de dissidentes da administração federal para aglutinar o eleitorado descontente. Mas o discurso monotemático do ex-ministro e a ferocidade moralista da senadora tiveram resultados ínfimos (frustrantes apenas para os ingênuos), revelando que uma alternativa progressista viável ainda está longe de se estabelecer. A ênfase em equacionar a rejeição ao governo Lula pela performance dos dois candidatos só fez iluminar, por contraste, a popularidade do presidente, que atingia índices históricos.

Muitos se precipitaram em festejar o segundo turno como derrota simbólica do governo, condenado a um desgaste prolongado, quiçá insuportável. Mais uma vez, a enorme ansiedade gerada pela mídia partidarizada provocou uma frustração equivalente. A continuidade da disputa mostrou-se favorável a Lula. Sua personalidade política foi reforçada pela exposição compulsória, conquistando um respaldo de que talvez não dispusesse no início da disputa, especialmente junto à classe média. A campanha petista corrigiu os equívocos iniciais, adotou motes propagandísticos eficazes e ressuscitou a militância. O apelo plebiscitário da eleição voltou-se contra seus próprios incentivadores: submetido ao julgamento moral do eleitorado, Lula recebeu a soma inédita de 58 milhões de votos, 11 milhões a mais do que no primeiro turno, 5 milhões a mais do que em 2002.

Geraldo Alckmin só chegou ao segundo turno porque a imprensa foi escandalosamente omissa diante de seu ruinoso governo paulista. Houvesse lisura na atuação dos grandes veículos jornalísticos, o ex-governador fugiria da vida pública, assombrado por processos administrativos, levando a vergonha de ter empossado um secretário de Segurança que patrocinou violações de direitos humanos dignas dos mais incivilizados rincões do país. O "fenômeno Alckmin" significou apenas uma péssima criação publicitária: afogado na própria artificialidade, o candidato transfigurou-se tanto que chegou ao cúmulo de adotar os principais itens da plataforma petista. Sua derrota, por 20 milhões de votos (além da façanha de perder 6 por cento dos eleitores iniciais), soa mais vergonhosa devido aos estratagemas midiáticos utilizados para evitá-la. A contragosto, Lula foi desalojado de seu acomodamento para enfrentar a arrogância dos adversários, os humores populares e os questionamentos pertinentes que tanto evitou. Atirado numa disputa planejada para servir de linchamento público, terminou justamente fortalecido e celebrizado por uma consagração eleitoral da qual jamais desfrutara. Eis a dimensão simbólica dessa conquista.

Guilherme Scalzilli é historiador e escritor. www.guilherme.scalzilli.nom.br

domingo, novembro 19, 2006

Carta Aberta a Heitor Cony

Sr. Cony, foi com grande estarrecimento e indignação que ouvi o Sr. comentar na CBN a Vitória do Lula, e se referindo ao povo nordestino como uma "turma que não lê e só assiste novela e programa de entretenimento".

Além do preconceito embutido nas suas palavras, o Sr. faltou com respeito a um povo trabalhador, lutador, que faz parte (quer o Sr. Goste ou não) da história desse País.

Sou nordestina, pernambucana, moro em Belo Horizonte há 22 anos e contribuo muito com o meu trabalho para o desenvolvimento dessa cidade que adotei para morar (assim como os milhões de nordestinos que constituem uma grande força trabalhadora nesse sudeste brasileiro). Leio muito e não tenho tempo de "assistir novelas". Sempre ávida por notícias, nas horas em que estou no trânsito, escuto a Hora do Brasil, as notícias, comentários ou debates da Band e da CBN (lamento que alguns jornalistas dessa última, a exemplo do Sr., com comentários mesquinhos e preconceituosos, denigrem a imagem dessa renomada emissora).

Garanto ao Sr. que uma grande parte dos nordestinos que votou no Lula está muito bem informada sobre a atual conjuntura política, social e econômica desse País, mas não apenas da ATUAL. Sabe tudo sobre mensalão, caixa 2, compra de dossiê, e de toda a corrupção que veio a público nesse governo. Mas a história de lama desse País não começou em 2002, Sr. Cony, com esse governo. Num País historicamente corrupto, chega a ser hilário ver políticos como ACM, Bornhausen, Aleluia, FHC, Alckmin, entre tantos outros, levantando a bandeira da ética. Aí realmente é achar que o povo é bobo e burro. Mas, uma coisa tenho que admitir: nesse assunto eles foram muito mais competentes, muito mais profissionais.

Não está se defendendo aqui a institucionalizaçã o da corrupção, nem mesmo a sua aceitação. Que sejam todos os corruptos investigados e punidos. A constatação é que agora nenhum partido pode falar em ética, ou seja, "não existe freira no bordel".

O Sr. e os tucanos acham que quem votou no Lula é burro ou alienado. É muita pretensão de uma elite fracassada e amedrontada achar que só ela é inteligente ou esclarecida. Esse pensamento retrógrado, e nada democrático, por si só, já é uma grande ignorância. Os petistas também acreditavam, antes dos escândalos, que quem não era petista era alienado (eu já fui assim um dia...). Radicalismos, dos dois lados, não contribuem para o tão sonhado desenvolvimento desse País. Existem políticos trabalhadores e honestos nos dois lados (não dá para engolir é o picolé de chuchu. Quem sabe se vocês tivessem outro candidato com mais carisma, ou ao menos que inspirasse confiança no seu próprio partido...).

Sr. Cony, ouvi dizer que Sr. também recebe aquela aposentadoria para anistiados (como recebe o meu e o seu candidato). Sabe que nem acreditei? Não é possível que uma pessoa tão preocupada com a ética, crítica do Programa Bolsa-família (a tal "Bolsa-esmola"), poderia estar recebendo também uma "Bolsa-auxílio" do governo. Aposto que é mais uma mentira fabricada.

Mas voltando ao "nordestino burro e alienado", vale salientar Sr. Cony, que esse povo não foi o único responsável pela vitória do Lula. No sudeste, Lula também ganhou nos Estados de Minas Gerais (puxa vida! Quem sabe se o Aécio tivesse acreditado mais no chuchu, não é?), Rio de Janeiro e Espírito Santo. Alckmin só ganhou em São Paulo (e ele é tão bom que conseguiu tirar votos dele mesmo....).

Olha que coincidência: Quando JK foi eleito, também só perdeu em São Paulo. Naquela época, as críticas de Carlos Lacerda ao governo JK, também se assemelharam muito às de agora, o Sr. não acha? Denúncias de corrupção, pedidos de impeachment. ...a diferença é que agora são vários "Lacerdas" (Cony, Jabor, Leitão...), mas o objetivo continua sendo o mesmo ( manipular a "inteligente" classe média em favor de uma elite poderosa e que não admite abrir mão desse poder). Estão até dizendo que agora que Lula ganhou, ele não vai poder governar (será que também tem alguma semelhança com a eleição de JK?). Como é que é mesmo Sr. Cony? 3º turno? Lula está sob júdice por causa do tal dossiê (também ouvi o Sr. falar isso)?

As acusações que pesam sobre o ombro do seu candidato, durante o período que governou São Paulo, são muito mais graves. O deputado estadual José Caldini Crespo (veja só...ele é do "parceiro" PFL), presidente da comissão de Finanças e Orçamento da Assembléia Legislativa de São Paulo, garante que houve pelo menos 973 casos (que ele analisou) de corrupção no governo Alckmin. Quando ele assumiu a presidência da casa, "os documentos sobre irregularidades estavam escondidos". Ele então deu parecer e encaminhou ao Ministério Público, pedindo providências cíveis e criminais.

Esses "documentos escondidos" na Assembléia de São Paulo também não lhe lembram nada Sr. Cony? Não parece com a história do Procurador-Geral da República do governo FHC, Geraldo Brindeiro, conhecido como "engavetador- geral", que engavetou nada menos que 242 processos contra o governo e arquivou outros 217? Casos como os dos precatórios, compra de votos para a reeleição de FHC, da "ajudinha" aos bancos Marka e FonteCidam, no valor de R$ 1,6 bilhão (mais uma CPI que os tucanos abafaram), esquema montado por Mendonça de Barros (na época ministro das comunicações e atual consultor econômico de Alckmin) para favorecer o Opportunity no leilão da Telebrás, entre TANTOS OUTROS... foram simplesmente engavetados.

Eu poderia escrever ainda várias páginas sobre o que foi um governo e o que está sendo o outro, mas acho desnecessário e enfadonho, já que esses dados estão todos aí (é claro que estou falando de fontes idôneas. Não tem nada a ver com revista Veja, por exemplo), para quem quiser ver, ler e se politizar. Também estaria sendo repetitiva com o Sr., que de tão culto, inteligente e esclarecido que é, já deve saber muito melhor do que eu (apenas mais uma nordestina ignorante).

Gostaria de falar agora da outra parte dos nordestinos que votou no Lula. A parte que não lê e não tem instrução, mas que sentiu a mudança na barriga, que passou a ter dignidade e se sentir gente. É muito fácil para quem nunca passou fome criticar o programa social do governo Lula.

Não que eu já tenha passado, pois faço parte de uma minoria de privilegiados desse País (Opa!!!!!Não confunda: Não pertenço à mesma elite que o Sr.). Falar que é "bolsa-esmola", programa "assistencialista", "tem que ensinar a pescar e não dar o peixe". São jargões que já nos acostumamos a ouvir. Por acaso o governo de FHC que não deu o peixe, ensinou alguém a pescar? Deu pelo menos a vara? Na verdade ele tinha um pequeno programa, o Comunidade Solidária, com políticas sociais tímidas e também assistencialistas. A diferença está no alcance de um e de outro. O Bolsa Família já alcançou mais de 40 milhões de pessoas. Significa dizer que, 19 em cada 100 brasileiros saíram da linha de miséria.

E a mídia ainda vem falar que foi o voto de cabresto desse povo que elegeu Lula? Eles apenas seguiram o conselho que Regina Duarte deu na televisão durante a campanha do Serra a presidência: "Não troque o certo pelo duvidoso". Ou será que agora que o certo e o duvidoso trocaram de lado o conselho deixou de valer? Pelo menos agora esses nordestinos "analfabetos" e tantos milhões de BRASILEIROS, estão comendo.

Para pessoas que pensam como o Sr. existem duas saídas: ou mudam de País e vão morar em outro que não tenham pobres e nordestinos, ou lançam oficialmente um movimento separatista nesse País (já que ele já existe veladamente). O pensamento é o mesmo de Hitler, que achava que quem não era alemão não valia nada e tinha que ser exterminado.

Enfim, de minha parte vou continuar lendo, escutando as rádios, inclusive os seus comentários. Não me entenda mal: apesar do meu ouvido não ser vaso sanitário, acho que temos que ler e ouvir tudo, até para podermos comparar e saber discernir entre o bem e o mal.

Sônia Greco Geóloga, especialista em gestão ambiental, MBA em gestão empresarial pela FGV Gerente de Pesquisa, Direitos Minerários e Meio Ambiente

Globo prepara-se para o segundo governo Lula

Depois de apostar suas fichas no caso da compra do dossiê, rede sofre desgaste diante da opinião pública. Governador do Paraná mostra erro em cobertura e emissora tenta se explicar. Para evitar crise maior, a direção da Globo centraliza jornalismo e busca comentaristas afinados com discurso único.

Gilberto Maringoni – Carta Maior

SÃO PAULO – Há vários indícios de que as Organizações Globo sofrem um processo de mudanças internas com vistas ao segundo governo Lula. Elas vão no sentido de uma maior unidade na cobertura geral de todos os veículos da rede – TVs, rádios, jornais e portal na internet. No centro da operação está o diretor de jornalismo, Ali Kamel, 44, um sociólogo carioca que ingressou nas empresas do grupo em 1989 e é protagonista de uma fulgurante carreira rumo ao topo. Para falar de Kamel, vamos comentar alguns acontecimentos das últimas semanas.

Na noite da quarta-feira, 8 de novembro, tendo como fundo apenas as bandeiras do Brasil e do Paraná e envergando um casaco de couro preto sobre uma camiseta vermelha, o governador Roberto Requião olhou fixamente para a câmera e ligou sua metralhadora verbal. Em quatro minutos e um segundo cravados fez um duríssimo ataque a Rede Globo de Televisão na TV Educativa do Paraná (http://www.aenoticias.pr.gov.br/visualizar2.php?video=243).

Apresentando dados e informações, Requião buscou desmontar a série de reportagens sobre supostos problemas no porto de Paranaguá, apresentadas pelo Jornal Nacional antes e depois das eleições. O porto, um dos principais terminais públicos de exportação de grãos do país, era exibido como ineficiente e defasado. O motivo: não teria passado por um esforço modernizante, somente possível através da privatização. (Veja a matéria de Carta Maior a respeito emhttp://cartamaior.uol.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=12798)

“Durante a campanha eleitoral”, disse Requião, “Pedro Bial esteve aqui (em 5 de agosto), cobrindo os gargalos do Brasil e filmou um terminal privado, afirmando haver congestionamento de caminhões no porto público, dizendo que deveríamos privatizá-lo”. Em seguida, o governador cita outro caso: “Ernesto Paglia, no Jornal Nacional do dia 7 (de novembro), disse que nós temos filas de 90 quilômetros (nas estradas para o porto), e apresenta um filme de 2002, quando nós não estávamos no governo”. Sem fazer pausa, Requião dispara: “As notícias são mentirosas. (...) Eles fazem o elogio da privatização”. E finaliza perguntando “Quando é que a Globo vai se emendar?” Para completar, o governo paranaense enviou à direção da emissora um calhamaço de documentos atestando a inexistência de filas no terminal, pedindo a correção da matéria.

Carta Maior procurou seguidas vezes ouvir o repórter Ernesto Paglia na tarde e na noite da sexta-feira, 17, mas não o localizou.

O mea culpa de Bonner
Dois dias depois do pronunciamento de Requião, na sexta feira, 10, William Bonner, apresentador do Jornal Nacional leu, no meio da edição, a seguinte nota: “Nesta semana, o Jornal Nacional errou ao mencionar filas quilométricas de caminhões em Paranaguá. Estas filas praticamente sumiram desde a implantação do novo sistema de controle de embarque de cargas, em 2004".

O Secretário de Imprensa do governo local, Benedito Pires avalia que a autocrítica externada por Bonner tem duas motivações principais: “As pressões e denúncias que veiculamos e ao desconforto existente nas redações, com a forma dos patrões dirigirem as empresas de comunicação”. E vai além: “Se Requião tivesse perdido as eleições, como eles queriam, não haveria autocrítica alguma”.

O governador paranaense, ao que tudo indica, tornou-se o novo alvo da grande mídia. A primeira entrevista coletiva de seu governo, na segunda-feira 30 de outubro, foi marcada pelas ríspidas acusações aos meios de comunicação presentes na sede do governo. O motivo era o suposto favorecimento da imprensa ao seu oponente, senador Osmar Dias (PDT), derrotado por uma diferença mínima de 0,2% dos votos válidos.

O comportamento do chefe do executivo mereceu o seguinte parágrafo do editorial principal da Folha de S. Paulo de 1° de novembro, que mencionava os atritos entre o PT e a mídia: “Envereda pelo mesmo caminho o governador Roberto Requião, conhecido pela boçalidade, que inventou um complô de veículos de comunicação para explicar sua reeleição apertadíssima no Paraná”.

Abaixo assinado
Há suspeitas de que a série de matérias sobre o porto de Paranaguá foi articulada previamente com comerciantes e industriais paranaenses, a quem interessaria a derrota de Requião.

Assim, a possível trama nacional à qual a emissora teria se engajado, para forçar o segundo turno presidencial, teria contado com pelo menos uma subtrama regional. Com a dupla derrota sofrida – as eleições de Lula e Requião - e um visível desgaste público, é natural que a emissora tente agora reparar o que for possível na própria imagem. O mea culpa é um dos componentes deste movimento, mas não o único. Além da satisfação à opinião pública, há um movimento interno à empresa e aos seus círculos próximos, no qual se insere o episódio do abaixo-assinado de 172 jornalistas da emissora, articulado pelas chefias do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Cuiabá, de Belo Horizonte, de Brasília e de Recife.

Entre alguns jornalistas da emissora, no Rio, é voz corrente que Ali Kamel seria o principal incentivador texto em apoio à cobertura eleitoral da emissora. O documento faz, sem citar nomes, um ataque direto às matérias de Raimundo Rodrigues Pereira, publicadas na revista Carta Capital, denunciando as articulações midiáticas realizadas a partir do episódio do dossiê dos Vedoin.

O abaixo assinado esteve longe de ser uma unanimidade interna. Uma minoria entre os profissionais de jornalismo da empresa o apoiou, como pode ser verificado com uma simples comparação. Somente na Globo de São Paulo, contando as produções, as áreas ligadas a CGP (Central Globo de Produção) e CGCom (Central Globo de Comunicação), há aproximadamente 300 jornalistas. O número total, no Brasil, contando as emissoras filiadas, é de cerca de dois mil profissionais.

Divulgado apenas pelo site Comunique-se, lido especialmente por gente da área, o objetivo do documento é legitimar as orientações da chefia de reportagem, exercida com mão de ferro por Ali Kamel. Discreto e extremamente dedicado ao trabalho, é provável que Kamel tenha ficado insatisfeito com o desgaste gerado pela cobertura e pela exposição pública a que seu nome foi submetido. O abaixo-assinado serviria como um respaldo à sua conduta. As chefias da emissora não se pronunciam publicamente.

Entre os repórteres cariocas há um crescente incômodo com a obsessão detalhista com que Kamel supervisiona tudo o que vai ao ar. No período eleitoral, essa busca pelas minúcias se acentuou.

Saída de Franklin Martins
Ali Kamel exerce a função atual há três anos e meio. A guinada mais sensível sob a batuta do novo chefe foi percebida em abril último. Foi quando Franklin Martins, o comentarista político mais independente da emissora, não teve seu contrato renovado. A explicação do diretor de jornalismo foi a de que sua imagem não era boa em pesquisas realizadas entre os telespectadores. Em seu lugar entrou Merval Pereira, diretor de redação do jornal O Globo.

Batendo seguidamente no PT e no governo Lula durante a campanha eleitoral, Pereira faz parte do time de comentaristas que parecem seguir uma orientação orquestrada. No time estão Miriam Leitão, Carlos Alberto Sardenberg, Alexandre Garcia, Cristiana Lobo e Jorge Bastos Moreno. Este último, colunista de O Globo e blogueiro, fez circular, entre os jornalistas da emissora, uma mensagem no tom de “temos de vestir a camisa das Organizações”.

Inteligente, competente e centralizador, Kamel busca unificar as coberturas de todos os veículos das Organizações Globo, as TV aberta e a cabo, a rádio CBN e o jornal, do qual é também colunista. Ao que tudo indica, ele é também o responsável pela contratação de outro profissional com idéias aproximadas às suas.

Trata-se de Demétrio Magnoli, 48, geógrafo e cientista político, formado pela USP. Com os cabelos permanentemente despenteados, Magnoli ainda mantém o jeitão de dirigente da histórica Libelu, abreviação da corrente trotskysta Liberdade e Luta, atuante no movimento estudantil dos anos 1970/1980, de onde saíram, entre outros, Antonio Palocci e Luiz Gushiken.

Em 24 de agosto último, Magnoli escreveu, em sua coluna semanal na Folha de S. Paulo, um derramado elogio ao livro de Ali Kamel, “Não somos racistas” (Editora Nova Fronteira). Segundo o colunista, “Escrever tal livro é um ato de coragem, ainda mais se o autor ocupa um cargo executivo no jornalismo das Organizações Globo. Uma coragem cívica, necessária”. Semanas depois, Magnoli anunciava seu desligamento da Folha e transferia-se para os jornais O Globo e O Estado de S. Paulo.

Unificando pontos de vista e afinando um discurso mais incisivo e menos pluralista, a Globo prepara-se para o segundo governo Lula. Resta ver qual será a reação do outro lado.

Agência Carta Maior

O Lula que a Folha Inventou

Bernardo Kucinski

Virou dirigente sindical para esquecer a morte da mulher. Não comandou as greves do ABC, mesmo porque elas nem existiram, e ainda apoiou a luta armada. Não gosta de ler, só lê o prefácio dos livros. Mesmo assim vai ser presidente porque FHC disse que isso ia acontecer. Esse é o resumo da biografia de Lula que a Folha teve a audácia de publicar este domingo. Deveria ser chamada de "suposta" biografia de Lula.

Expurgando as greves da história
A Folha conseguiu a façanha de explicar as origens de Lula sem falar das grandes greves de 1978, 1979 e 1980, que derrubaram a ditadura militar e projetaram Lula mundialmente. A palavra "greve" só aparece três páginas depois da narrativa principal, diluída num pequeno texto-legenda de um quadro cronológico sobre a campanha da anistia. E tudo com a data errada de 1979. A campanha pela anistia começou em 1975 com Terezinha Zerbini e já em 1978 foi fundado o Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA).

A primeira greve do ABC estourou na Saab Scania, em 12 de maio de 1978. Alguns dias depois, a greve estourou na Ford e, em seguida, em 90 outras indústrias do ABC. Dois meses depois, meio milhão de trabalhadores em cerca de 400 indústrias do Estado de São Paulo haviam entrado em greve. Era o começo do fim da ditadura militar. Nada se explica, na história recente do Brasil, sem essas fulminantes greves do ABC e a "República de São Bernardo".

A "República de São Bernardo" também não existiu
Nem mesmo na legenda da foto em que Lula fala aos grevistas no Estádio de Vila Euclides existe a palavra "greve". É como se fosse uma assembléia qualquer. "Lula discursa para os metalúrgicos de Vila Euclides", diz a legenda. Uma fraude jornalística parecida com a cometida pela rede Globo, quando explicou as imagens das Diretas Já em São Paulo como se fosse a festa de aniversário da cidade.

Ignorância funcional
Na biografia de Lula publicada pela Folha, Plínio Fraga pula ostensivamente o período das greves. De 1975, ele vai direto para 1981. Com isso, fica ininteligível o motivo da demissão de Lula da Villares, tampouco a prisão do mesmo e a cassação do presidenciável do posto de líder sindical. Na biografia da Folha, a ditadura caiu sozinha, de madura, e Lula se tornou importante porque era um líder sindical que gostava de assembléias e um dia teve a brilhante idéia de fundar um partido.

Maquiando a imagem de Lula...
Será que foi por esquecimento que o jornalista pulou as greves do ABC? Ou foi de propósito? Ou será que a exclusão do operário chegou a tal ponto na cultura yuppie que ficou decidido suprimir o movimento operário da história do capitalismo? Ou será que ele quis ser original e pensou numa biografia que tratasse de aspectos inusitados e não do que já era sabido por todos?

Não é nada disso. A narrativa pula as greves como parte de um padrão que negligencia deliberadamente a formação política de Lula e sua noção de luta, de enfrentamento e de intransigência na defesa dos interesses dos trabalhadores em greve. A tese do jornalista está no olho da matéria e, para sustentá-la, ele vai suprimindo ou inventando fatos ao longo de toda a narrativa. É a tese de que "Lula se formou politicamente na cultura sindical da assembléias", e não na luta e no enfrentamento.

E falseando a história
É louvável a idéia da Folha de montar um caderno com as biografias dos candidatos. É importante mostrar aos jovens uma parte de nossa história que nem está nos livros porque é muito recente e nem na memória deles, por não ser tão recente assim. Mas por isso mesmo é muito ruim falsear a história. Plínio Fraga gasta um quarto do texto, em um enorme "nariz de cera", como se diz em jargão jornalístico, falando não de Lula e sim de como um dia FHC prognosticou que Lula seria presidente. Como se FHC explicasse a existência de Lula. O contrário é mais plausível, já que FHC foi lançado como candidato e apoiado pelos poderosos como um antídoto a Lula.

No final, depois de gastar mais algum espaço com gravatas de Lula e outras besteiras do mesmo tipo, o jornalista percebe que não conseguiu explicar o radicalismo original de Lula e acaba descambando para a mentira: "O Lula que um dia defendeu a luta armada como uma via para que os oprimidos chegassem ao poder e a expropriação do grande capital é hoje um senhor de cabelos bem cuidados e barba aparada, ternos de corte fino e sorriso contínuo

Assim ele confundiu Lula, líder das greves do ABC e fundador do PT, com Marighella, fundador da ALN. Confundiu o respeito de Lula pelos que morreram lutando pela melhoria das condições de vida do povo, entre os quais Marighella, com o apoio à luta armada, com a qual Lula não teve nada a ver.

Núcleo Piratininga

Ensinar Economia ao Lula?

THEOTONIO DOS SANTOS*
thdossantos@terra.com. br

Faz alguns poucos dias, a revista Veja, entre outros veículos conservadores do país, acusava Lula dos piores crimes, tentando induzir a população a votar contra ele ou inclusive a tirá-lo do poder à força. Faz algum tempo, a mesma revista chegou a publicar um artigo em sua capa com uma foto do presidente do Brasil de costas com a marca de uma pisada no seu traseiro, chamando ao seu impedimento legal no parlamento.

Não passou uma semana da espetacular vitória do Lula sobre o candidato conservador e esta revista se propõe a ensinar ao Lula o que fazer em seu próximo governo. Sua última "chance" para fazer um bom governo é seguir as políticas defendidas pelo seu adversário conservador e pela Veja. As mesmas políticas repudiadas por mais do 60% do povo brasileiro.

Mais divertido ainda é ver essa publicação, assim como suas competidoras, apresentar toda uma política econômica copiada do fracassado Consenso de Washington como a única alternativa possível para o país. E faz isto sem possuir em sua redação nem um só economista ou cientista social que tenha dado alguma contribuição ao conhecimento dos fenômenos apresentados. Trata-se de receitas de jornalistas improvisados que cometem erros elementares de economia em todo o corpo da revista, que se apresenta como uma grande entendedora de todos os temas que trata.

Esta audácia da direita forma parte de um ambiente intelectual criado pelo pensamento único que aboliu o debate intelectual nos meios de comunicação e - mais grave ainda - na própria academia. Este ambiente encontra uma fácil acolhida nos meios políticos e nas agências do governo pondo em risco o papel do conhecimento humano na condução de nossas vidas.

Esperemos que Lula, com a maturidade de quatro anos de governo, não preste ouvidos a esses professores de baixo nível, sobre tudo quando sua assessoria melhorou de qualidade enormemente com ministros capazes de reorientar sua política econômica no caminho virtuoso do crescimento que, segundo alguns, somente agora poderá ser colocado em prática devido ao desastre deixado pelo governo anterior: um país em déficit comercial, apesar de ter realizado uma desvalorização gigantesca de sua moeda, sem reservas, apesar de ter enormes dívidas por pagar; com uma inflação de dois dígitos; com crescimento negativo do PIB; com um déficit fiscal colossal; uma dívida gigantesca em crescimento e taxas de juros colossais; uma economia classificada como uma das mais altas taxas de risco, segundo as firmas que orientam os investidores mundiais. Apesar dos seus resultados desastrosos, a política econômica que conduziu a esta situação é qualificada de "conservadora" e "responsável" pelos porta-vozes das boas políticas econômicas. Voltar a essa situação, "nunca mais" diz sabiamente o povo brasileiro que derrotou radicalmente os mentores desse desastre.

Mas o dramático é que ainda existem admiradores dessa política - inclusive nas hostes triunfantes - que seguramente leem com respeito e admiração os conselhos da Veja. Por exemplo, continuam aceitando a tese de que as altas taxas de juros são o único caminho para deter a inflação. E não se trata de taxas razoáveis de juros e sim das mais altas do mundo!

Isto vai contra toda a experiência econômica mundial. Os países de mais alto crescimento econômico do mundo têm taxas de juros relativamente baixas em comparação com a brasileira e não apresentam taxas de inflação perigosas. Mas vejamos os dados do Brasil, particularmente do período do governo Lula:

a taxa de juros oficial paga pelo Estado aos seus prestamistas (selic) era de 26,5% no primeiro ano (2003), a inflação baixou do alto nível anterior (13%) para 5,9%. Em 2004, a taxa de juros baixou até 13% com queda da inflação e aumento do crescimento do PIB a perto de 5%. A taxa de juros aumentou a partir de setembro de 2004 e chegou a 19,75% em 2005 e a inflação ficou em 5,7% neste ano e o crescimento baixou a menos de 3%.. A taxa de juros baixou a 13,75% em agosto-setembro de 2006 e a taxa de inflação baixou a 2,9% neste mesmo ano.

Os dados indicam portanto que as altas taxas de juros tendem a aumentar a inflação e não a diminuí-la. Assim mesmo, existe uma forte correlação entre o movimento da taxa de juros e o crescimento econômico. Estes são os dados recentes que confirmam uma verdade inquestionável.

Contra os delírios monetaristas, baseados numa lógica formal elementar, as altas taxas de juros são na verdade inflacionárias porque a inflação não é um fenômeno somente da demanda e sim principalmente ligado à oferta. E o preço dos produtos está fortemente influenciado pelos custos, entre os quais a taxa de juros representa um papel fundamental. Sobre tudo ao se tratar de uma taxa de juros totalmente administrada pelo Estado contra o "mercado". Não o mercado dos especuladores amigos das publicações econômicas, que vivem de investimentos financeiros, e sim do verdadeiro mercado econômico composto de produtores que precisam dos empréstimos inexistentes porque todos os prestamistas estão emprestando ao Estado desfrutando de taxas irracionais e absurdas que só existem para alimentar seus bolsos.

Além disto, é necessário considerar o impacto inflacionário de uma dívida pública que existe somente para pagar juros. O Estado brasileiro não apresenta déficits fiscais primários há muitos anos. Este é o dado real que contradiz as afirmações totalmente falsas de que somos países gastadores (e esta é uma tendência latino-americana) De uns anos para cá apresentamos, na realidade, um superávit fiscal primário enquanto a Europa e sobretudo os Estados Unidos apresentam déficits fiscias enormes.

O nosso déficit fiscal nominal é única e exclusivamente conseqüência do pagamento de juros de uma dívida criada por uma política econômica aventureira a serviço de uma fração mínima da população. Trata-se claramente de uma versão pós-moderna do velho patrimonialismo que caracterizou nosso Estado desde a colônia.

Meu querido presidente: ponha atenção nestes argumentos que temos desenvolvido em nossos livros e em nossos artigos faz muitos anos. Você tem neste momento uma equipe excelente de assessores encarregados de propor um plano de crescimento para o país, com distribuição de renda e sem inflação. Os eternos inimigos do nosso povo vão tentar ridicularizar o estabelecimento de metas de crescimento quando na verdade podemos rir das metas de inflação que não acertaram uma só vez.

Vivemos uma conjuntura internacional de crescimento econômico, como já o demonstramos desde 1994, a partir do estudo das ondas longas de Kondratief que os "economistas" conservadores e até alguns progressistas ridicularizam sem conhecê-las. É hora de por o Brasil para frente. É hora de fazê-lo sem vacilação. Siga o conselho do seu povo e não dos iluminados do "mercado". Pode estar seguro que ele é muito melhor conselheiro e saberá recompensar o seu esforço.

* Professor titular da UFF. Diretor da REGGEN (www.reggen.org.br).

Requião e a Rede Globo

Na noite da quarta-feira, 8 de novembro, tendo como fundo apenas as bandeiras do Brasil e do Paraná e envergando um casaco de couro preto sobre uma camiseta vermelha, o governador Roberto Requião olhou fixamente para a câmera e ligou sua metralhadora verbal. Em quatro minutos e um segundo cravados fez um duríssimo ataque a Rede Globo de Televisão na TV Educativa do Paraná ( http://www.aenoticias.pr.gov.br/visualizar2.php?video=243 ).

Apresentando dados e informações, Requião buscou desmontar a série de reportagens sobre supostos problemas no porto de Paranaguá, apresentadas pelo Jornal Nacional antes e depois das eleições. O porto, um dos principais terminais públicos de exportação de grãos do país, era exibido como ineficiente e defasado. O motivo: não teria passado por um esforço modernizante, somente possível através da privatização.
(Veja a matéria de Carta Maior a respeito em http://cartamaior.uol.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=12798 )

“Durante a campanha eleitoral”, disse Requião, “Pedro Bial esteve aqui (em 5 de agosto), cobrindo os gargalos do Brasil e filmou um terminal privado, afirmando haver congestionamento de caminhões no porto público, dizendo que deveríamos privatizá-lo”. Em seguida, o governador cita outro caso: “Ernesto Paglia, no Jornal Nacional do dia 7 (de novembro), disse que nós temos filas de 90 quilômetros (nas estradas para o porto), e apresenta um filme de 2002, quando nós não estávamos no governo”. Sem fazer pausa, Requião dispara: “As notícias são mentirosas. (...) Eles fazem o elogio da privatização”. E finaliza perguntando “Quando é que a Globo vai se emendar?” Para completar, o governo paranaense enviou à direção da emissora um calhamaço de documentos atestando a inexistência de filas no terminal, pedindo a correção da matéria.

Carta Maior procurou seguidas vezes ouvir o repórter Ernesto Paglia na tarde e na noite da sexta-feira, 17, mas não o localizou.

O mea culpa de Bonner
Dois dias depois do pronunciamento de Requião, na sexta feira, 10, William Bonner, apresentador do Jornal Nacional leu, no meio da edição, a seguinte nota: “Nesta semana, o Jornal Nacional errou ao mencionar filas quilométricas de caminhões em Paranaguá. Estas filas praticamente sumiram desde a implantação do novo sistema de controle de embarque de cargas, em 2004".

O Secretário de Imprensa do governo local, Benedito Pires avalia que a autocrítica externada por Bonner tem duas motivações principais: “As pressões e denúncias que veiculamos e ao desconforto existente nas redações, com a forma dos patrões dirigirem as empresas de comunicação”. E vai além: “Se Requião tivesse perdido as eleições, como eles queriam, não haveria autocrítica alguma”.

O governador paranaense, ao que tudo indica, tornou-se o novo alvo da grande mídia. A primeira entrevista coletiva de seu governo, na segunda-feira 30 de outubro, foi marcada pelas ríspidas acusações aos meios de comunicação presentes na sede do governo. O motivo era o suposto favorecimento da imprensa ao seu oponente, senador Osmar Dias (PDT), derrotado por uma diferença mínima de 0,2% dos votos válidos.

O comportamento do chefe do executivo mereceu o seguinte parágrafo do editorial principal da Folha de S. Paulo de 1° de novembro, que mencionava os atritos entre o PT e a mídia: “Envereda pelo mesmo caminho o governador Roberto Requião, conhecido pela boçalidade, que inventou um complô de veículos de comunicação para explicar sua reeleição apertadíssima no Paraná”.

De: http://agenciacartamaior.uol.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=12864

sábado, novembro 18, 2006

Ainda do El País - La ONU condena a Israel por la masacre de Beit Hanún

La Asamblea General de la ONU ha adoptado hoy una resolución de condena a Israel por la muerte de 19 civiles palestinos en Beit Hanún, Gaza, y le exige que cese sus acciones militares en la Franja de Gaza y retire su Ejército de ese territorio. La resolución, presentada por el grupo árabe de la ONU, fue aprobada por 156 votos a favor, 7 en contra y 7 abstenciones. A diferencia de las adoptadas en el Consejo de Seguridad, las resoluciones aprobadas por la Asamblea General no tienen carácter vinculante.

El texto de la resolución es prácticamente el mismo que se sometió a votación la semana pasada en el Consejo de Seguridad, pero que no logró aprobarse por el veto de EE UU, país que consideró la medida desequilibrada, e impulsada por motivaciones políticas. En el documento se exige a Israel poner fin a sus incursiones militares contra la población civil palestina, y a retirar inmediatamente sus fuerzas de la Franja de Gaza a las posiciones que tenía antes del pasado 28 de junio, cuando estalló la actual escalada de violencia.

También se pide que el secretario general de la ONU, Kofi Annan, establezca una comisión para investigar el ataque de Beit Hanún del pasado 8 de noviembre, en el que resultaron muertos 19 civiles, entre ellos mujeres y niños. En la resolución, también se exhorta a Israel a cumplir escrupulosamente con sus obligaciones y responsabilidades bajo la Convención de Ginebra, en cuanto a la protección de la población civil. Además, se insta a la comunidad internacional y, en particular, al Cuarteto (EE UU, ONU, UE y Rusia) a actuar de inmediato para estabilizar la situación y reanudar el proceso de paz, para lo que deben establecer un mecanismo de protección a la población civil.

EE UU fue uno de los países que votó en contra, junto con Israel, Islas Marshals, y otros pequeños países, mientras que Canadá y Australia se encuentran entre los Estados que se abstuvieron. El embajador estadounidense ante la ONU, John Bolton, afirmó antes de la votación su disposición de votar negativamente, tras calificarla resolución de "políticamente motivada y parcial contra un país -Israel- que durante décadas ha sido un blanco de la Asamblea General". "Desafortunadamente este tipo de resoluciones sirven sólo para exacerbar la tensión en base a los intereses de elementos hostiles al derecho reconocido e inalienable de Israel a existir", indicó.

Los 25 países de la Unión Europea (UE) emitieron un voto afirmativo, al argumentar que es el momento de que cese la violencia de inmediato y de reanudar el diálogo para buscar una solución pacífica al conflicto, explicó la embajadora de Finlandia, Kirsti Lintonen. El representante palestino ante la ONU, Ryiad Mansour, agradeció a todos los países que votaron a favor y acusó a la delegación de Israel de insultar a la Asamblea General, después de calificar la sesión de emergencia de una "payasada" y una "farsa teatral".

El embajador adjunto de Israel, Daniel Carmon, indicó que su país no ha intentado insultar a la Asamblea General, órgano al que tienen un gran respeto, pero que ha sido el procedimiento lo que les ha molestado.

El País - 18/11/2006

"Uma limpeza étnica silenciosa"

ONG israelense denuncia que o governo pretende forçar a emigração palestina e enfraquecer a resistência

J. M. Muñoz
em Jerusalém

Há muito poucas pessoas em Israel que levantam a voz diante dos abusos sistemáticos das autoridades israelenses contra civis palestinos. Yossi Wolfson, porta-voz da HaMoked, uma ONG israelense de defesa dos direitos humanos, não se surpreende com nenhuma das medidas adotadas pelo governo de Ehud Olmert, nem com os empecilhos à reunificação familiar de palestinos nos territórios ocupados. Na avaliação dele, os conceitos fundamentais de um sistema de segregação permaneceram inalterados.

"Está muito claro que o Executivo aplica essas políticas por razões demográficas. Faz isso desde 1948 em Israel e desde 1967 nos territórios ocupados. Pensam que se concederem permissões para a reunificação familiar estarão promovendo uma maioria palestina entre o rio Jordão e o mar. Se não concederem, estarão forçando a emigração. A política se baseia em uma ideologia racista criada para destruir os vínculos sociais e familiares de indivíduos que nada têm a ver com as milícias ou com grupos terroristas", explica o ativista.

Há um fio condutor nessa estratégia. "O objetivo é que a resistência à ocupação não conte com uma comunidade forte que a apóie", diz Wolfson. "Pensam que se a comunidade for fraca será menor a rejeição a essa ocupação.

Além de que isto não vai funcionar, a estratégia é imoral porque a população civil não pode ser um alvo legítimo, embora isso esteja muito longe das mentes dos governantes israelenses." Se esse é um dos objetivos desejados, é claro que a estratégia não é eficaz. O ódio aos judeus nas cidades e povoados palestinos é crescente e o apoio às milícias - não só as islâmicas - não diminui.

A vitória dos islâmicos nas eleições de janeiro representou mais uma volta no parafuso da repressão. Além de milhares de camponeses terem se recusado a trabalhar nos campos de cultivo em uma ampla faixa ao longo da margem do Jordão; de que percorrer algumas dezenas de quilômetros pode demorar horas; que a vida acadêmica e institucional é um tormento, dezenas de milhares de palestinos foram proibidos de regressar à Cisjordânia. Não podem escolher nem mesmo viver sob a ocupação.

"Na realidade, eles querem que a situação nunca seja tranqüila, impedir o caminho da coexistência entre palestinos e israelenses exercendo uma opressão muito dura. Até a chegada do Hamas ao Executivo, pretendiam dificultar muito a vida das pessoas. Mas agora querem criar o caos", comenta Wolfson.

Esse jovem ativista ignora qual seja a solução para essas separações forçadas, que as ONGs israelenses dedicadas aos direitos humanos qualificam de "limpeza étnica silenciosa". "Não sei se um boicote econômico a Israel daria resultado porque a população civil também seria afetada. Mas é evidente que os protestos diplomáticos e que os governos ocidentais expressem preocupação não vai resolver nada. Talvez fosse útil cortar só os vínculos militares com Israel ou exigir que os cidadãos israelenses tenham algum documento ou acrescentar algum requisito quando viajam à Europa. Deve-se criar alguma situação que represente certa pressão para o Executivo israelense."

Wolfson considera muito improvável qualquer tipo de sanção, por menor que seja, contra o Estado israelense. "Se diante da construção do muro de concreto e alambrados - com vários trechos no interior do território palestino - não fizeram nada, não parece que vão organizar boicotes por causa da reunificação familiar."

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

El País - 18/11/2006

versão traduzida no UOL Mídia Global

sexta-feira, novembro 17, 2006

La Opinión Gráfica





Ilustração de Alex Falco, ilustrador e cartunista editorial de
Juventud Rebelde, um dos principais jornais diários cubanos.



Mídia e direita: que sejam felizes

Por Gilson Caroni Filho

Muito se tem escrito sobre a reeleição do presidente Luiz Inácio da Silva e a derrota dos chamados "formadores de opinião". Sem dúvida, o segundo mandato de Lula pôs a nocaute o campo jornalístico brasileiro, seus estatutos de verdade e a crença nos dispositivos que regulam a relação entre os responsáveis pela produção e difusão do noticiário.

Um misto de perplexidade e consternação já havia tomado conta de nove entre 10 colunistas quando, em meados de abril, o instituto Datafolha publicou pesquisa sobre intenção de votos para presidente. Lula, apesar do bombardeio midiático, mantinha estável sua liderança. Em artigo para o Observatório da Imprensa (“Datafolha rasga fantasia iluminista da Imprensa”, edição 376, 10/4/2006) alertamos para o fato de estarmos diante de algo que merecia reflexão mais séria da própria imprensa sobre seu papel na sociedade.

Destacamos que "mais que a inviabilidade eleitoral do ex-governador paulista, o instituto talvez tenha capturado um dado de extrema importância: a deslegitimação do discurso jornalístico e das representações que estão por trás dele. Salientamos também que “da seleção e organização de informações à edição, temos visto, em quase todos os veículos, a orientação editorial condicionar o conteúdo da reportagem. A negligência investigativa transformou-se no foco adequado a um jornalismo marcadamente de campanha. Ora, a crise do atual governo é, em grande parte, uma realidade produzida por recortes de mídia. Não poucas vezes, o dado concreto cedeu lugar à imaterialidade midiática. Indícios viraram manchetes. E, não tenham dúvida, estas reaparecerão na campanha eleitoral. O resultado é a saturação que deslegitima o fazer jornalístico como práxis ética”. Mas o ódio classista não comportava inflexões.

A forma como o discurso noticioso se organizou e se reproduziu é algo que talvez só encontre paralelo nos episódios que levaram Getúlio Vargas ao suicídio, em 1954. Ou ao golpe militar, 10 anos depois. Redações e ilhas de edição se transformaram em trincheiras do udenismo redivivo. Articulistas, colunistas e jornalistas-blogueiros disputavam entre si quem melhor reencarnaria Carlos Lacerda. Ainda não haviam percebido que se lhes sobrava a determinação do colunista e parlamentar golpista, faltavam-lhes a substância e os recursos estilísticos daquele que ficou conhecido como o “Corvo". Mas havia uma aposta, e ganhá-la transformou-se em questão pessoal, depois que o patronato liberou a besta-fera que havia em cada um.

O que não perceberam é que a empreitada estava fadada ao fracasso por um motivo simples. A sociedade patrimonialista, cordata e gelatinosa que o colosso midiático julgava ter em mãos ficara em algum lugar do passado. A democracia ampliada já não comportava alternância intraelites. O componente classista estava pronto para ingressar no jogo político. O apoio a Lula não era expressão de um consenso passivo e os que provaram o gosto da cidadania recém-adquirida não estavam dispostos a chancelar retrocessos. As classes populares queriam algo além de uma participação vicária, isto é, exercida por representantes que não pertenciam a ela. A inserção direta na esfera política estava sendo consolidada por movimentos sociais que, sem perder autonomia, dialogavam com o governo. Os setores mais lúcidos da esquerda não alimentavam ilusões rupturistas. Erros passados não se repetiram. Não houve quem confundisse chegada ao governo com tomada do poder.

Talvez esteja aí o equívoco capital do campo jornalístico. Embevecido com a centralidade que desempenha no processo político, ignorou as mudanças ocorridas na formação social em que atua. A maioria dos articulistas ainda se julgava membros de um "parlamento sem voto". Senhores da informação, tutores da opinião. Quanta ilusão perpassou o facciosismo, o ódio de classe e a índole golpista desses respeitáveis senhores e senhores das mais conceituadas publicações brasileiras.

No auge da crise, em 2005, julgavam que o PT e Lula estavam feridos de morte. Apostavam na obstrução de canais políticos e em crise institucional. Enquanto CPIs disputavam holofotes, os principais analistas vaticinavam que, sobrevivendo ao turbilhão, Lula chegaria a 2006 sem base partidária e, se tentasse a reeleição, o faria apoiado por seu carisma e um populismo que lhe traria votos dos grotões.

Um ano depois, vêem o presidente reeleito, com excelente desempenho eleitoral da sigla. Lula conta com o apoio de 16 governadores (eram três em 2002) e amplo respaldo dos principais movimentos organizados. Se o PT precisa investigar os responsáveis por procedimentos internos que chamuscaram seu capital simbólico, a imprensa deve afinar sua banda antes de querer impor ao governo reeleito a agenda dos derrotados.

Na edição de 28/12/2005, de Veja, Diogo Mainardi escrevia “Passei o ano todo amolando Lula. Dediquei-lhe mais de trinta artigos. Fracassei. Prometo derrubá-lo em 2006". O bolor udenista do inculto colunista de Veja demonstra o quanto a direita empobreceu estilisticamente. Mas o que talvez mais incomode a mídia brasileira esteja no rescaldo da crise. Clóvis Rossi, Eliane Cantanhêde, Josias de Souza, Fernando Barros, Merval Pereira, Dora Kramer e Ricardo Noblat, entre tantos outros, sofreram um sério revés. Ao "maianardizarem" parecem não ter notado que seus leitores cativos ficariam restritos à direita mais reacionária, ressentida e atrasada. Como afirmava Herbert de Souza, o saudoso Betinho, “toda informação é uma proposta ou elemento de formulação de proposta”. Quando aceita, a união é estável e duradoura. Que sejam felizes. Por que não? Jornalistas e leitores militantes também merecem a felicidade. Mesmo que ela surja de um pequeno ruído.

Gilson Caroni Filho é professor universitário

quinta-feira, novembro 16, 2006

Oaxaca resiste

Num estado empobrecido do México, movimentos sociais enfrentam paramilitares e exército e propõem, como alternativa ao governador corrupto, um regime de assembléias populares

Anne Vigna

"Estamos diante da maior operação militar desde a operação contra o levante zapatista de 1994. Se trata de um desembarque por via aérea, terrestre e marítima." Esse comentário data do dia 3 de outubro, e é assinado pelo jornalista Hermann Bellinghausen no periódico mexicano La Jornada. Nesse dia, os comandos especiais da marinha desembarcavam em Huatulco e Salina Cruz, no estado de Oaxaca, apoiados pelo navio de guerra Usumacinta, 1500 marinheiros 20 helicópteros M-18 e M-17, aviões Hércules e C-12, além de vários tanques. Juntamente com as forças especiais do exército e da polícia federal preventiva (PFP), o dispositivo total contou com cerca de 20 mil homens. Helicópteros e aviões sobrevoam durante vários dias a capital do Estado, a "zona de combate", o centro histórico, as barricadas, os edifícios ocupados pelos "rebeldes". Embaixo, homens e mulheres gritam diversos insultos e os ameaçam de punho em riste.

Mais uma vez, é através do uso da força que o governo mexicano responde a um levante popular. E mais uma vez, a chegada massiva das forças armadas não calará uma população em revolta contra um governo considerado repressor, corrompido e eleito de forma fraudulenta em 2005: Ulises Ruiz, filiado ao Partido Revolucionário Institucional (PRI) que governou o México durante 71 anos.

O estado de Oaxaca e, em particular, sua capital – de mesmo nome - , vivem desde 22 de maio de 2006, um conflito social que se agravou após a repressão organizada, no dia 14 de junho, por Ruiz (saldo de 92 feridos) contra a seção do sindicato dos professores (SNTE), dissidente da direção nacional, que mobiliza cerca de 70 mil professores em greve. Desde então, a reivindicação principal desses "maestros" não mudará: "Volta às aulas, cinco dias depois da demissão do governador". Eles foram reunidos pela Assembléia Popular e Permanente de Oaxaca (APPO) – a quase totalidade das organizações sociais do estado. Um milhão e trezentos mil alunos estão sem aula há seis meses. Ocupação de prefeituras e edifícios públicos, de hotéis e do aeroporto, campanha de desobediência civil pacífica, radicalização...Apesar da união da população e um bloqueio completo das atividades do do estado, Ruiz se recusa a pedir afastamento do cargo.

Um pacto conservador ampara o governador corrupto

Desde o início, o governo federal de Vicente Fox, do Partido da Ação Nacional (PAN, de direita liberal), mostrou-se incapaz de resolver a questão. O desenrolar dos fatos ocorre paralelamente ao conflito pós-eleições que ainda estremece o México, logo após a suspeita eleição de Felipe Calderón (PAN) no dia 2 de julho, para a presidência da república [1]. Proposto no dia 5 de outubro pelo Secretário de governo, Carlos Abascal, o primeiro plano de negociação ("Pacto pela governabilidade, pela paz e pelo desenvolvimento do estado de Oaxaca") recomenda uma nova constituição para o Estado, uma reforma do sistema judiciário, uma série de estímulos econômicas e um compromisso de respeitar os direitos humanos. Nada se fez com relação à reinvidicação principal: a demissão do governador.

Os interesses que impedem que o Fox "ofereça a cabeça" do governador não têm a ver com o conflito local. Estão ligados à eleição presidencial manipulada. A decisão dos juízes do Tribunal Federal Eleitoral a favor de Felipe Calderón desencadeou um amplo movimento popular, inédito na história do México e dirigido por Andrés Manuel Lopez Obrador, o candidato "derrotado" do Partido Revolucionário Democrático (PRD, de esquerda). Segunda maior força política do país, o PRD não reconhece o novo executivo [2]. Ou seja, o único apoio real do qual Calderón dispõe para seu governo (que terá início em 1º de dezembro deste ano) é a aliança selada no congresso em setembro passado entre o PAN e o PRI, primeira e terceira força política, respectivamente. "Calderón precisa do PRI para governar e fazer passar as ’reformas estruturais’ que Fox nunca conseguiu aprovar. Mas ele também precisa do PRI para tomar posse perante o congresso no dia 1º de dezembro", explica o analista Luis Javier Garrido. Um dos objetivos da resistência civil organizada é justamente o de impedir essa posse.

A investidura de Calderón acontecerá somente com o apoio parlamentar do PRI, que acabou reconhecendo a "vitória" do PAN. Em troca, o PRI defende com unhas e dentes um de seus bastiões mais tradicionais: Oaxaca. Mas pode pagar muito caro, em escala nacional, pela defesa do governante contestado. "Em dois anos Ulisses Ruiz ordenou o assassinato de 35 dirigente sociais, e prendeu mais de 200, acusa Florentino Lopez, um dos porta-vozes da APPO. Ele desviou milhões de pesos destinados a obras sociais para as campanhas eleitorais do PRI e para suas próprias empresas". O governador que o antecedeu, José Murta (PRI) mandou prender 60 dirigentes. Atribuem-se a ele também quatro mortes e 15 feridos a bala. Sessenta por cento dos membros do seus gabinete fazem parte da equipe de Ulisses Ruiz. Sob suas ordens, grupos paramilitares e a polícia local atacam todos os dias as cerca das 1.500 barricadas erguidas na capital (3 mil em todo o estado), os 80 prédio públicos e 12 estações de rádio e televisão ocupados pela população.

Em busca de um pretexto para liquidar a insurreição

Desde junho, foram contabilizadas quatro mortes e o seqüestro de oito dirigentes, que reapareceram alguns dias depois na prisão. Todo o arsenal repressor foi montado há seis meses para dividir, aterrorizar e enfraquecer o movimento social. De acordo com o Raul Gatica, refugiado político no Canadá e porta-voz do Conselho Indígena Popular de Oaxaca – Ricardos Flores Magón (CIPO – RFM), "o governo procura destruir, em primeiro lugar, as barricadas, porque são espaços de orgnização e debate do movimento; o outro alvo são as rádios, por meio das quais nos comunicamos com a população".

Os atos de violência não desencadeiam nenhum tipo de investigação de amplitude federal. As duas grandes emissoras de televisão – a Televisa e a TV Azteca — "pintam" os militantes da APPO e da seção 22 do sindicato dos professores como fora-da-lei perigosos e armados. Ulisses Ruiz e o PRI querem o envio de forças policiais federais para "reestabelecer a ordem e punir os líderes". Em 3 de outubro, os militares "desembarcam" no estado... O presidente Fox declara que "a trangressão da lei deve sempre ser impedida e punida".

Diante de uma repressão que parece iminente, pois as negociações ainda não terminaram, Oaxaca se torna a Comuna de Oaxaca". No entanto, o fim da ofensiva parece próximo. Os militares não entram nas cidades. "Vicente Fox não pode terminar um mandato com essas graves violações dos direitos humanos, mas o objetivo era intimidar", estima o Onésimo Hidalgo, pesquisador do Centro de Investigações Econômicas e Políticas de Ação Comunitária (Ciepac) e autor de diversos livros sobre a militarização de Chiapas após a insurreição em 1994 [3].

No entanto, apenas 3000 fuzileiros da marinha retornaram, no dia 12 de outubro, às suas casas no norte do país. Os demais não deixarão tão cedo o local: a militarização do estado de Oaxaca se confirma, e os habitantes da zona rural coletam víveres para os grevistas. "A partir de agora, a estratégia é encontrar algum pretexto para que o exército se faça presente nas comunidades rurais, analisa Hidalgo. O pretexto pode ser um plano de urgência contra os furacões, a presença de grupos armados, ou a luta contra o narcotráfico e as migrações clandestinas. Eles nunca admitiram que se trata da militarização do território, mas é a mesma estratégia que a desenhada para controlar Chiapas".

Uma das regiões mais ricas (e empobrecidas...) do México

De fato, Oaxaca assemelha-se em vários aspectos com o seu vizinho Chiapas, militarizado desde a insurreição zapatista. Um território altamente estratégico e rico em recursos naturais, uma forte presença indígena e um nível de pobreza entre os mais elevados do país. Os 16 povos indígenas (1,6 milhões de pessoas) que constituem mais da metade da população do estado (3,4 milhões) sempre souberam bem o que é a discriminação. Professores das zonas rurais marginalizadas, os integrantes da seção 22 estão entre os mais mal-pagos do país. Há 26 anos, lutam por salários e pela melhoria de suas escolas. Aproximadamente 460 dos 570 municípios do estado não possuem serviços de base (água, saneamento, eletricidade) e as atividades principais que mais ocupam ainda são a agricultura e a exploração das riquezas naturais.

Oaxaca dispõe da região mais rica em biodiversidade do México: florestas, costas, lagos, montanhas, plantas raras, vários tipos de milho. No subsolo, encontra-se petróleo, urânio, carvão, ferro, ouro, prata, chumbo e mercúrio. De 1540 até o começo do século 20, as minas de Oaxaca responderam por metade da produção nacional de outro e prata. Mesmo assim, durante esse período, a extração desses metais não chevaga a ultrapassar 10% do seu potencial estimado [4]. Por fim, Oaxaca possui água em abundância para a hidroeletricidade e é um dos locais mais favoráveis em todo o mundo para a energia eólica, ao sul do istmo de Tehuantepec [5]. A exploração desses recursos está programada desde 2001, como parte do Plano Puebla Panamá [6]. Esse plano "de desenvolvimento" de inspiração neo-liberal, amplamente contestado pelos movimentos sociais, pretende criar infraestruturas (estradas, portos, barragens, etc) para a implatação de atividades econômicas. Ele acaba de ser relançado por Calderón presidente eleito (e contestado), durante uma visita feita em outubro à América Central.

A importância geoestratégica do estado de Oaxaca complica de maneira singular a resolução do conflito atual. As populações indígenas e as comunidades rurais representadas pela APPO querem gerir seus próprios recursos naturais, pois têm instrumentos legais para tal. O direito a uma organização política própria é uma reivindicação constante, tanto no campo quanto na cidade. "Trata-se do direito à autodeterminação dos povos, ou seja, à administração política dos nossos territórios e à gestão de nossos recursos naturais, explica Carlos Beas, um dos porta-vozes da União das Comunidades Indígenas da Norte do Istmo (Ucizoni), membro da APPO.

Muitas experiências de organização comunitária

Em Oaxaca, há muitas experiências em matéria de organização comunitária, social e política. O comércio equitativo espandiu-se fortemente na forma de cooperativas, que praticam uma forma de autonomia. As reivindicações são semelhantes às expressas en Chiapas dez anos atrás. Mas entram em conflito com a política que Calderón deseja implantar.

A militarização do estado de Oaxaca não é uma grande surpresa: ela confirma a posição agressiva do executivo frente aos movimentos socias que se multiplicam por todo o país. Recorrer às forças policiais é, com freqüência, a "resposta" do governo Fox, acompanhada de graves violações dos direitos humanos [7]. Se tomarmos como referência a experiência dos países latino-americanos e a história do México, caminhamos diretamente para um confronto crescente entre duas concepções políticas e econômicas distintas. "Trata-se de uma polarização entre os excluídos e uma classe privilegiada que concentra a riqueza e que influencia a vida política", avalia Neil Harvez, professor de ciências políticas da Universidade do Novo México. Cada vez mais, "Calderón irá satisfazer os meios econômicos que deram apoio à sua campanha".

Oaxaca antecipa a ingovernabilidade pela qual o México poderia passar durante a presidência contestada pela oposição a Calderón. A aliança deste com o PRI e o mundo dos negócios pode provocar novos conflitos. As forçar armadas conseguirão, então, apagar o fogo das variadas rebeliões?

Tradução: Márcia Macedo

[1] Ler Ignacio Ramonet, “Parar a esquerda”, Le Monde Diplomatique-Brasil, agosto de 2006.

[2] Uma "Convenção nacional democrática" que reuniu mais de um milhão de pessoas no Zócalo, praça central da Cidade do México, no dia 16 de setembro, aclamou Obrador "presidente legítimo do México". Este anunciou o início do governo paralelo.

[3] Ler Tras los pasos de una guerra inconclusa: 12 años de militarización en Chiapas, Enésimo Hidalgo, Ciepac, México, 2006.

[4] Ler Los minerales estratégicos de Oaxaca en el contexto del mercado mundial, Julio César Cabrera, Ciesas, México, 2006.

[5] Ler, “Les vents dorés de l’Isthme”, Systèmes solaires, Paris, julho agosto de 2005.

[6] Ler Braulio Moro, “Plano Puebla-Panamá: a nova colonização”, Le Monde Diplomatique-Brasil, dezembro de 2002.

[7] Em abril de 2006, na siderúrgica Lazaro Cardenas, ocupada por operários, dois deles foram mortos pela polícia. Em abril, em San Salvador Atenco, em um ataque contra um grupo de zapatistas, a repressão fez dois mortos, 47 mulheres estupradas e 211 presos, dos quais 29 ainda não estão em liberdade.

Le Monde diplomatique Brasil